Michel Rolland, de Mr. Merlot ao Azerbaijão
Por Marcelo Copello
Conhecido como Mr. Merlot, por sua especialidade nesta casta, ele é polêmico e unipresente. O enólogo mais famoso do mundo dá consultoria para cerca de 100 vinícolas ao redor do planeta, produzindo vinhos de sucesso de vendas e com altas pontuações, mas que desagradam a alguns críticos, que o acusam de padronização. Do telefone de sua casa no Pomerol, em Bordeaux, Michel Rolland, falou comigo com exclusividade para esta entrevista. Este ótimo e descontraído bate papo, com o ex-consultor da vinícola brasileira Miolo, versou sobre a merlot, o Brasil, seus sonhos, seu amigo Robert Parker e seus novos projetos, como o de fazer vinho no Azerbaijão.
MARCELO COPELLO: Com sua experiência com a merlot no mundo e no Brasil, o que você pode nos dizer? Os merlots do Brasil são bons? Temos chance no mercado internacional?
MICHEL ROLLAND: Desde o princípio, quando fui trabalhar com a família miolo, eu disse que poderíamos fazer lá bons merlots. É claro que não com vinhedos em pérgola, nem com muitos quilos de uvas por planta, mas com a viticultura certa existem bons solos para fazer merlots de qualidade no Vale dos Vinhedos. Acho que a Miolo já faz bons merlots, mesmo com vinhas ainda jovens, e isso é um sinal de qua podemos fazer ótimos merlots no Brasil.
MC: Que conselhos você daria a nossos viticultores e enólogos para fazer melhores merlots no Brasil?
MR: Você está certo, precisamos de ambos. Não há bons enólogos sem boas uvas. Em primeiro lugar então precisamos acertar a viticultura, produzir uvas maduras. Quanto comecei o trabalho no Brasil, em 2001, havia muito a ser feito na viticultura. Hoje já melhorou muito, mas ainda há trabalho. O processo é este mesmo, leva tempo. O potencial, contudo, está aí, sem dúvida, vi isso desde o princípio.
MC: Você acha que o Vale dos Vinhedos é o melhor lugar para plantar merlot no Brasil?
MR: O Brasil é grande e eu não o conheço o suficiente para afirmar isso, mas com certeza o Vale dos Vinhedos tem potencial para fazer ótimos merlots. Uma outra região onde vi muito potencial para a merlot foi em Campos de Cima da Serra. Lá as vinhas que vi ainda eram muito jovens, mas acho que farão bons merlots lá.
MC: Se você fosse produzir vinhos seus no Brasil, você faria um merlot ou usaria outras uvas e quais? No que investiria?
MR: Eu sou de Bordeaux e de certa forma vejo uma afinidade no clima das regiões brasileiras que conheço, como Vale dos Vinhedos, com minha região, no sentido de que não acho que o ideal seja investir em uma única uva. Como em Bordeaux, acho que o ideal para o Vale dos VInhedos são os blends. Eu investiria em blends com predominancia de Merlot, tavez com Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc também, mas com ao menos 50% de Merlot.
MC: No mundo como você vê o mercado para a merlot hoje?
MR: A imagem da merlot sofreu muitos danos por causa do mercado americano. A merlot teve muito sucesso a partir de meados dos anos 1980, quado tivemos a "merlot mania" nos EUA. Esta moda levou os produtores americanos a plantar merlot em toda a parte, em qualquer lugar, e fazer vinhos muito ruins para atender a demanda. Desta forma mataram a "marca" merlot e mataram merlot como varietal.
MC: A merlot como marca está se recuperando?
MR: Hoje, mais de 20 anos depois, vejo que a merlot se recupera. Precisamos contudo proteger o nome da merlot fazendo bons vinhos. Acho que o consumidor gosta do sabor da merlot, mas é cedo para colocar o nome da merlot nos rótulos, pois ainda não é bem aceito. Nós aqui em Pomerol (Bordeaux) fazemos merlot, mas não vendemos com merlot nos rótulos, e sim Pomerol. Como a merlot está se recuperando. Acho que em poucos anos será positivo ostentar a palavra merlots nos rótulos. Eu por exemplo estou fazendo um merlot na argentina, chamado Mariflor, e está sendo muito bem recebido, mas 5 anos atrás isso seria impossível.
MC: Quais os fatores chaves para produzir um bom merlot? Rendimento baixo? Maceração longa?
MR: Para fazer um bom merlot a chave é conseguir uvas bem maduras. Não precisamos de rendimentos muito baixos, mas um bom equilíbrio entre vigor da planta e rendimento. Digamos que 8 a 9 mil quilos de uvas para um hectare plantado com 5 mil cepas. Com estes números fazemos um bom vinho e com um redimento que também é bom é economicamente.
MC: E em termos de vinificação? Quais os fatores chaves?
MR: A merlot gosta de boa maturação. Gosto de usar uma maceração longa, com boa extração, mas sem ser agressiva. Assim conseguimos bons taninos. Sangria é também absolutamente necessário para conseguir um bom merlot, entre 15% e 20% de sangria.
MC: Uma certa vez estávamos em uma conversa informal e você me disse que o lugar mais difícil onde você já fez vinho foi na Rússia, pois lá o obrigavam a tomar vodca antes das provas dos vinhos. Isso é verdade?
MR: Não! Eu estava brincando! E posso completar a piada dizendo que hoje na Rússia definitivamente a vodca é melhor que o vinho que fazem lá. Mas eles estão trabalhando para melhorar. Adianto que a Rússia tem lugares próximos ao Mar Negro, com ótimos clima e solo. Daqui a 5-10 anos tenho certeza que veremos a Rússia produzindo ótimos vinhos.
MC: Que regiões você acha emergentes na produção de vinhos de qualidade. O que acha da China?
MR: China nunca! Eu não conheço a China toda, mas em geral o clima é horrível. É possível fazer vinho lá, mas vinhos de qualidade acho que jamais farão. Como região emergente, como já citei, o Mar Negro e todos os países em torno. Posso citar a Turquia, Bulgaria, Romênia, entre outros. Eles têm tradição, solo e clima.
MC: Você vê alguma região nova despontando com bons Merlots?
MR: A merlot é uma uva difícil cultivo. Na Argentina eu plantei merlot há 10 anos e só agora, de 2 anos pra cá, estou conseguindo bons resultados. É muito mais fácil fazer Malbec, Cabernet Sauvignon e Carménère.
MC: Quantos anos você tem? Algum sonho ainda não realizado?
MR: Minha vida já é um sonho. Eu já estou velho, estou com 68 anos, mas amo estar envoldido em novos projeto. Estou indo fazer vinho no Azebaijão. Você consegue imaginar o que é fazer vinho no Azerbaijão!? Na miha idade não preciso disso, mas estou louco para ir para lá, pois estou curioso! Tem gente fazendo vinho lá e quero ajudá-los, quero me envolver. Esta é minha vida, minha louca vida.
MC: Você é muito atacado pelos críticos. Invertendo o jogo, o que você criticaria nos críticos?
MR: Eu não sou um escritor e não acho que seja fácil escrever. Mas vejo tanta estupidez escrita sobre vinho! Eu gostaria de ver simplesmente os críticos gostando de vinho, dando informações corretas, escrevendo coisas inteligentes. O vinho é tão interessante que merece ser melhor tratado.
MC: Para encerrar você gostaria de acrescentar algo?
MR: Sim, eu gostaria de dizer uma coisa. Existe uma pessoa, que é a mais poderosa de todo o mundo do vinho. Esta pessoa ainda é o Robert Parker. Leia o livro dele e você entenderá porque ele é tão poderoso. Ele não fica falando bobagens sobre pessoas, não fica fazendo negócios. Ele escreve de forma clara, focada e objetiva sobre seu gosto pessoal. O Parker tem poder demais, concordo, mas é porque ele trabalha bem, comete erros como todo mundo, mas é sério e precisamos de gente assim. Não precisamos de gente que fica escrevendo sobre o showbiz em torno do vinho, que fica dizendo que o Michel Rolland faz extração demais e que faz o mesmo vinho em toda parte. Além disso não ser verdade, não interessa ao leitor e é chato! E se um crítico souber degustar e escrever, e se tiver, como Parker, muitas pessoas com o mesmo gosto que ele, poderá se tornar pode se tornar um novo Parker. Até porque estamos precisando de um novo Parker!