Amigos, leiam esta matéria minha na revista Meininger’s Wine Business International, revista alemã que circula em mais de 40 países e é a maior referência em negócios do vinho. Foi a Meininger’s me elegeu há alguns anos o jornalista de vinhos mais influente o Brasil. Vale a pena ler a matéria, há muitos números atuais e interessantes. Abaixo o original em inglês e depois a versão em Portugal
.
O MERCADO BRASILEIRO DE VINHO 2019
.
Por Marcelo Copello
.
Jovens na faixa dos 20 e 30 anos dançando música eletrônica, seguindo a performance do DJ no palco. Na mão de cada um uma taça colorida de plástico. Até aí nada novo. Mas dentro da taça havia vinho! A cena aconteceu no último Rio Wine and Food Festival, que em sua 7a edição reuniu 70 mil pessoas, em grande parte jovens que até pouco tempo não bebiam vinho e que encaram a bebida de Baco de forma bem diferente da geração predecessora.
.
No Brasil vinho sempre foi (e na maioria das vezes ainda é) associada a inverno e queijo, e a rituais muito estritos de decantação, taças de cristal e temperatura correta. O consumo de vinho no Brasil está mudando, crescendo e se diversificando. Mas quem consome este vinho? O que e onde ele está bebendo? Quanto gasta? Vamos mergulhar neste tema e procurar responder a todas estas perguntas.
.
A macro economia e suas consequências
A única coisa estável na economia brasileira é sua a instabilidade. Palavras chaves para entender este mercado complexo são: risco, burocracia, logística complicada, impostos abusivos, diversidade, mercado aberto e com enorme potencial. Este alto risco, contudo, vem junto com alto reward.
Afinal, falamos da 8a economia do mundo, com PIB de R$ 6,8 trilhões, que retomou seu crescimento em 2017 e em 2019 já cresceu 0,5% no 1o quartil. O segmento do vinho representa ainda apenas 0,2% deste PIB, mas seu valor não é desprezível, falamos de um mercado de R$ 15 bilhões e quase 400 milhões de litros. Deste montante quase 70% é movimentado pelos vinhos importados, que tiveram um crescimento de 505% em valor nas últimas duas décadas.
.
.
Quem é este consumidor?
Segundo dados da Nielsen Consulting, que audita o mercado off trade e os lares dos consumidores, o perfil do comprador do vinho é de mulheres de idade maior ou igual a 56 anos e da classe C. Nesta classe social (com renda familiar mensal entre R$ 3.992 e R$ 9.980) estão 48,7% dos consumidores, enquanto 40,2% estão nas classes A e B, respectivamente com renda acima de R$ 19.960 e entre R$ 9.980 e R$ 19.960.
.
É inegável a crescente importância dos jovens em nosso mercado de vinhos. O fato é comprovado pela pesquisa realizada pelo Grupo BACO em parceria com a empresa de pesquisas EC Global, na qual 59% dos jovens entrevistados (com idade de 18 a 24 anos) reconhecem um aumento de consumo de vinho entre eles. Nesta faixa etária 32% respondeu beber vinho raramente, 15% tem consumo mensal, 21% quinzenal, 23% semanal
e 9% diário.
.
.
Onde está o consumidor?
O consumo per capita no Brazil ainda é baixo, cerca de 2 litros por habitante como média nacional. Mas este consumo é bastante regionalizado. As regiões Sul e Sudeste respondem por cerca de 80% do volume total. Segundo a Ideal Consultoria, em volumes brutos os estados de maior consumo são São Paulo (32%), Rio de Janeiro (17%) e Rio Grande do Sul (12%), onde está 90% da produção domestica. Em termos de consumo per capita, a posição se inverte. O Rio Grande do Sul lidera com 4,46 litros, seguido por Rio de Janeiro (4,03), com São Paulo bem atrás, com (2,85). Como o Rio Grande do Sul tem seu consumo focado no vinho brasileiro, podemos dizer que em vinhos importados o Rio de Janeiro é lider.
.
Com São Paulo já bastante saturado e concorrido, as regiões Cetro-Oeste, Norte e Nordeste, são as de maior crescimento, de maior potencial, e muitas vezes esquecidas por quem investe no mercado brasileiro. Lá estão 80 milhões de pessoas que consomem em média menos de 1 garrafa de vinho ao ano. Nestas regiões há bastante público interessado e carente de maior presença dos players do mercado.
.
.
Quantos são os consumidores de vinho no Brasil
Um fenômeno novo vêm acontecendo no Brasil. Pela primeira vez nestes trinta anos em que trabalho nesta indústria vejo de fato novos consumidores entrando na categoria. Os números da Nielsen Consulting comprovam meu sentimento. O vinho atingiu dos 47% dos lares brasileiro (contra 65% da cerveja, um produto já maduro no mercado), um crescimento de 1,5% nos últimos 12 meses, o que representa cerca de 1 milhão de novos consumidores. Mais interessante ainda é dado de que 22,3% das compras de vinho no off trade é de novos consumidores, gente que não comprava vinho.
.
.
Quanto se gasta
O mercado brasileiro sofreu um violento trade down em 2014, com lenta recuperação desde 2017. Os valores médios gastos por garrafa variam muito por canal e origem do vinho, se nacional ou importado. No off trade o gasto médio por garrafa é de R$ 12,2, canal no qual o vinho brasileiro tem a maior fatia (lembrando que aqui reinam os vinhos elaborados com uvas não viníferas).
.
Nos importados, o valor médio FOB em 2018 foi de US$ 28 a caixa (longe ainda dos US$ 34,2 de 2013, mas melhor que os US$ 26,7 de 2017). Nos importados 73% do mercado é de vinhos que FOB custam abaixo dos US$ 30 a caixa e que chegam às prateleiras na faixa dos R$ 70 por garrafa.
.
Para se calcular quanto um vinho custará no Brasil partindo do preço FOB por garrafa, o multiplicador médio do mercado é de 6,5 vezes, podendo variar muito conforme o canal, chegando até 12 vezes!
.
O topo da pirâmide dos importados, com caixa FOB acima de US$ 50, é pequeno, apenas 7% do mercado, porém respondem em valor por 26% dos negócios ou cerca de R$ 2 bilhões.
.
.
Tipos e estilos mais consumidos
Qual brasileiro nunca tomou uma caneca de vinho de garrafão? Estes tintos açucarados, elaborados com variedades não viníferas, que deixam a língua negra-azulada, representam cerca de 60% de todo o vinho bebido no país. Esta é normalmente a porta de entrada do consumidor nos prazeres de Baco. A evolução natural deste Primata (que eu mesmo já fui) até se tonar um Homo “eno-sapiens”, seria passar vinhos elaborados com viníferas, normalmente chileno ou argentino, para depois passar os portugueses e demais origens europeias, em uma escalada de preço.
.
“Não entendo nada de vinho, mas sei que vinho bom é vinho tinto” – já ouvi esta frase inúmeras vezes, e reflete o mercado das últimas três décadas, desde que o furacão dos vinhos brancos alemães de garrafa azul inundou o mercado nos anos 1990. Esta ditadura tinta vêm aos poucos se flexibilizando. Uma categoria que já conquistou se público cativo são os espumantes. Puxados pelos produtos domésticos, os espumantes são 7,4% do mercado, com os produtos brasileiro detendo 77,3% deste nicho. Os espumantes, junto com os sucos de uva, são as únicas categorias que crescem entre os produtos nacionais. Segundo dados da Nielsen Consulting, entre as bebidas alcoólicas os itens que mais cresceram nos últimos 12 meses (junho-18 a junho-19) foram gin (158%), espumantes (19%), vinho (12%) e cerveja (6%).
.
O champagne (francês), por uma mudança de taxação que penalizou produtos de maior valor agregado, continua em queda livre e perdeu cerca de 30% em volume e valor no último ano.
.
Nos vinhos tranquilos importados seguem dominando pelos tintos com 77% deste mercado, seguidos pelos brancos com 18% e 5% de rosés. Como tendência os rosados estão explodindo, com crescimento de 212% em 5 anos.
.
.
Estilos e escolhas
Em termos de estilo, o gosto do consumidor brasileiro tradicional ainda é por tintos encorpados, macios, frutados, com carvalho novo, em garrafas pesadas, com rolha de cortiça. Para este perfil vinho é inverno, lareira e queijo.
.
Este modelo contudo está sendo corrompido pelos millenials, pelo consumo feminino e pelos novos entrantes em geral. Este consumidor não segue muitas regras tradicionais, compra mais por seu prazer e gosto, menos pela fama do rótulo e está mais aberto a novos tipologias, como os rosados.
.
Segundo pesquisa do Grupo BACO/EC Global, 42% dos entrevistados já prefere vinhos menos alcoólicos, 46% é indiferente e apenas 12% prefere os mais alcoólicos.
.
Antes que você se pergunte eu já respondo: sim, há um movimento crescente de vinhos orgânicos, biodinâmicos e naturais no Brasil. Embora não hajam estatísticas oficiais um termômetro deste nicho é a feira Naturebas, evento anual criado pela sommelier Lis Cereja em 2013 em São Paulo. Segundo Lis, nestes anos de evento o público foi de 100 para 2000 pessoas. O número de expositores de todo o mundo cresceu de 17 para 100 em 2019. “O número de produtores de vinhos naturais no Brasil também cresceu, de 10 em 2013 para 30 vinícolas em 2019”, complementa Lis.
.
.
Momento de consumo
Para o brasileiro o vinho não é uma bebida alimentar do dia a dia, mas uma bebida social, ligada ao convívio e à celebração. Experiência é a palavra do momento neste mercado e é por isso que os eventos vinhos estão em alta por aqui. Festivais, feiras, palestras, degustações, seminários, wine dinners, brotam a todo momento por todo o país.
.
Segundo pesquisa do Grupo BACO/ECGlobal, 26% dos entrevistados bebe seu vinho em casa ou na casa de amigos, 13% no inverno, 15% em restaurantes com amigos ou família, 12% em encontro romântico, 10% em festas e 9% em almoços/jantares de negócios.
.
Nosso consumidor compra seu vinho em geral no mesmo dia em que será consumido. Segundo dados da Nielen Consulting, 42% das vendas é feita às sextas-feiras ou sábados. Em termos de datas festivas os campeões de vendas para vinhos importados são em primeiro lugar o dia dos pais, em segundo o dia dos namorados e em terceiro a black friday. Para o vinho brasileiro são as festas de fim de ano, Natal e réveillon, quando se vende boa parte da produção nacional de espumantes.
.
.
Qual a origem dos vinhos consumidos
O produto doméstico continua líder em volume, com 66,2% do mercado, ancorado pelos 54,9% de share dos vinhos de uvas não viníferas. Os vinhos importados, contudo, dominam em valor, com 66,4% de share, e vem crescendo todos os anos há três décadas em volume e valor. Em 2018 a importação cresceu 3,2%, ou seja, três vezes mais que o PIB.
.
Segundo números do Anuário Vinhos do Brasil o Chile permanece lidera do ranking dos importados já há cerca de 15 anos, mas vem perdendo share gradativamente. Caiu de 47,2% em 2016 para 42,4% em 2018.
.
Para Carlos Cabral, consultor de vinhos do Grupo Pão de Açúcar, maior importador de vinhos do país, “o novo consumidor está enjoando do vinho chileno, já percebe sua mesmice. Ele vê no vinho chileno algo massificado. Tenho medo que aconteça com o Chile o que aconteceu com os alemães da garrafa azul. Está acontecendo uma migração para os vinhos de Portugal”.
.
Portugal, 2o em volume e 3o em valor, cresceu muito como opção europeia aos vinhos sul-americanos, mas cresceu em vinhos de baixo custo, o que pode prejudicar a imagem do país no longo prazo.
.
Em segundo lugar em valor segue a Argentina, que perdeu metade de seu share nos últimos anos, não pela qualidade de seus vinho ou percepção do consumidor, mas pela crise interna que impactou a constância no preço e no fornecimento de seus vinhos.
.
A Itália segue em 4o lugar, ancorada pelo lambrusco, que representa quase 40% de suas importações. França segue em 5o em volume, mas como líder em valor médio por caixa.
.
.
Onde compram – canais
O mercado brasileiro mudou bastante desde a crise de 2014 no que diz respeito aos canais de venda. A tendência aponta claramente para a importação direta das grandes redes varejistas, que já representam 31% das importações (contra 15% em 2014). No off trade o boom do momento são os “cash & carry”, que cresceu 9,3% nos últimos 12 meses.
.
As .COM já são relevantes e importam 10% dos vinhos que entram no pais. Na pesquisa do Grupo BACO/EC Global, 30% dos entrevistados compram ou já compraram vinho online e 19% compram ou já compraram via App.
.
No Brasil os canais de venda estão altamente associados com a origem do produto. Cash & Carry e hipermercados são dominados por produtos domésticos, que em geral custam 60% menos que os importados, liderados pelos vinhos de não viníferas. Supermercados, delis, bares, restaurantes, tem presença maior dos importados. Podemos dizer que quanto mais
off trade mais doméstico, e quanto mais on-trade mais importado.
.
Outra via que não deve ser desprezada é a importação individual. Brasileiros viajam para comprar. Os gastos de turistas no exterior representam cerca de US$ 20 bilhões ao ano, principalmente nos EUA e em segundo lugar na França. Não existe enófilo no Brasil que não traga garrafas na mala quando viaja, principalmente vinhos de alto custo.