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Anteprima Amarone

Anteprima Amarone

06/04/2015

Marcelo Copello

Itália

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 Em recente visita à Verona participei do Anteprima Amarone, evento que anualmente lança a nova safra deste que é um dos vinhos de maior prestígio da Itália. Organizado pelo Consorzio per La Tutela Vini Valpolicella DOC o evento colocou em prova rótulos de 64 vinícolas da safra de 2011, que chega agora ao mercado mundial, prometendo ser uma das melhores safras recentes de Amarone.

Assista a entrevista com Christian Marchesini – presidente do Cosorzio.

Números

O Consorzio Vampolicella congrega 272 produtores/engarrafadores de vinho, 7 cooperativas e nada menos que 2.469 viticultores, dos quais 1.495 produzem uvas para Amarone.

A área de vinhedos da região dobrou nos últimos 20 anos e hoje atinge 7.564 hectares. No mesmo período a produção de Amarone e de Recioto (a versão doce do Amarone), cresceu de 4 mil para 30 mil toneladas de uvas ao ano, que rendem cerca de 13 milhões de garrafas. O Veneto é a maior região produtora e exportadora de vinhos da Itália e 80% de produção de Amarone é exportada, tendo seus melhores mercados na Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Dinamarca. O Brasil fica com uma fatia ainda pequena, mas significativa de 2% das exportações. Os valores são impressionantes, o Veneto exporta 550 milhões de euros em vinho, sendo o Amarone responsável por mais de 60% deste total, com cerca de 350 milhões de euros.

A safra 2011

Segundo dados climáticos apresentados no seminário que precedeu a prova, 2011 foi definido como de qualidade máxima, 5 estrelas, e um “ano de luz”, devido a ótima exposição solar nas uvas, sem excessos de calor. A colheita foi precoce, com perfeição das uvas alcançada nos vinhedos, e o appassimento foi lento e gradual.

Pude provar cerca de 150 Amarones nesta visita à região e em uma comparação direta entre  2011 e 2010 descreveria os 2010 como mais elegantes, com maior acidez, e mais acessíveis  no momento. 2011 se parece mais com 2009, superando 2010 em concentração, com mais fruta, fruta mais madura, mais taninos e mais açúcar residual. 2011 deverá ser uma safra longeva, e em geral os vinhos ainda precisam de mais tempo em garrafa entes de serem abertos. Provei muitas amostras de barricas com vinhos de potencial por sua estrutura, mas ainda bastante jovens e carecendo de tempo em garrafa para alcançar maior equilíbrio.

Como é feito o Amarone?

O grande diferencial do Amarone está em seu processo de elaboração, que gera um vinho encorpado, de alto teor natural de álcool, mínimo 14%, mas que pode ultrapassar 18%.

As uvas utlizadas em sua elaboraão são colhidas bem maduras, normalmente na primeira quinzena de outubro e depois são submetidas a um processo chamado appassimento.

A técnica consiste em, uma vez colhidas às uvas, em vez de serem imediatamente esmagadas e fermentadas, são deixadas secar (tradicionalmente em esteiras de madeira, hoje quase sempre em caixas de plástico e em ambientes controlados) por cerca de 120 dias até quase se tornarem passas. Durante este período os frutos perdem entre 27% e 45% de seu peso  (conforme a variedade de uva e a safra), perdendo principalmente água, concentrando açúcares, glicerina e sabores. Este período também aumenta o contato da casta com a fruta e altera quimicamente sua ácidez, PH e taninos, tornando o vinho, macio, integrado e equilibrado. Um vinho “normal” tem cerca de 2-3 gramas de glicerina, enquanto um Amarone possui cerca de 10-12 gramas.

Um outro fator pode afetar a bebida. Eventualmente, em anos mais úmidos, alguns cachos podem ser atacados pelo fungo Botrytis cinerea, também conhecido como “podridão nobre”. Esse ataque bem-vindo dará ainda mais maciez, complexidade e intensidade aromática ao vinho.

Em janeiro ou fevereiro, a fermentação finalmente acontece, com longa maceração (contato do suco com as cascas da uva).

Todo este processo é muito sensível, pois expõe as uvas que estão secando ao ataque de contaminações diversas. A vinificação também é de risco, pois a acidez volátil pode ser alta e, com PH baixo, infeccções de bactérias como Brettanomyces podem ocorrer. Normalmente os Amarones amadurecem em tonéis grandes de madeira usada de diversos tipos e origens (nem sempre carvalho), embora o mais comum seja carvalho esloveno. Alguns produtores usam  barricas novas de carvalho, dando a seus vinhos um estilo mais moderno.

Família Amarone

 Acredita-se que o Amarone tenha um pai. Ele teria nascido de um outro vinho da região, hoje muito pouco produzido, o Recioto della Valpolicella, ou apenas Recioto. O nome se origina de uma corruptela da palavra italiana orecchio (orelha), pois usavam apenas a parte mais madura dos cachos de uva, que seria sua extremidade ou “lóbulo”. O Recioto é resultante do apassimento de uvas, com cerca de 15% de álcool e com açúcar residual (em torno de 100gr de açúcar) que o torna um vinho doce. O Amarone teria nascido de um Recioto que por acidente fermentou complementamente, tornando-se seco. O nome Amarone (amargão) teria vindo do fato deste ser seco em contraste com a doçura do Recioto.

Se o Recioto é o pai, podemos dizer que o Valpolicella é o caçúla da família, feito na mesma região e com as mesmas uvas dos demais, ma sem appassimento. O Valpolicella é quase sempre um tinto leve, gastronômico e para o dia a dia, com teor alcoólico mais baixo, 12-13%.  O terceiro tinto da família seria o Ripasso. Este é um  vinho refermentado, ao receber a adição do bagaço das uvas que sobram da fermentação do Amarone, ganhando assim um pouco mais de corpo, cor, álcool e alguns dos aromas de passas e resinas típicos do Amarone. Em termos de corpo o Ripasso estaria entre o Valpolicella e o Amarone

Uvas

Recentemente a composição de uvas permitidas por lei para o Amarone foi modificada. A uva Molinara deixou de ser obrigatória, passando a opcional.  A composição obrigatória é:

Corvina (de 45% a 95%), Convinona (que pode substituir a Corvina em até 50% do blend), Rondinella (de 5% a 30%) e outras variedades aprovadas em um máximo de 25%. Dentre estas outras as mais popuares são Molinara, Negrara, Croatina, Cruina, Forsellina, Pelara e Oseleta. Na prática a Corvina e Corvinona juntas ocupam 70% dos vinhedos da região. A dupla Corvina/Corvinona daria ao corte final a estrutura básica de cor, corpo, caráter e maciez. A Rondinella dá uma boa estrutura e taninos. A Molinara saiu da obrigatoriedade pois ela possui pouca cor e tem maior acidez – característiacas que vão contra o estilo dito “moderno” dos vinhos (mais cor e menor acidez).

É importante comentar que há um motivo para serem estas uvas usadas para o Amarone. Geneticamente Corvina e Corvinone são perfeitas para o appassimento, pois secam muito mais lentamente que uvas como Sangiovese, Syrah, Cabernet Sauvignon ou Merlot. Além disso também desenvolvem, durante o appassimento, muito mais aromas e complexidade que outras uvas.

Sistema de condução

Um item importante quando se analisa o Amarone ou os vinhos do Vêneto em geral é o sistema de condução dos vinhedos, tema controverso que tem gerado muita discussão por aqui. O sistema tradicional adotado na região é a Pérgola Veronese, no qual as vinhas são plantadas em forma de caramanchão, similar ao usado no sul do Brasil, implantado lá no século XIX, por imigrantes do Vêneto. Este sistema custa mais caro implantar, mas uma vez implementado é mais fácil e barato de manejar e manter, e rende bem mais quilos de uva por hectare. As uvas assim pegam menos sol, tem mais riscos de contrair fungos e geram vinhos mais leves e elegantes, com menos alcool e maior acidez.

O outro sistema usado na região é o francês Guyot, no qual as uvas ficam bem mais expostas ao sol, gerando vinhos com menor acidez, mais concentrados e alcoólicos. Depois do ano 2000 a tendência é que cada vez mais seja usado o sistema Guyot. Qual o melhor sistema? Não é uma resposta simples, pois há uma série de variáveis a serem levadas em consideração, que também dependem do estilo de vinho que se quer obter. Podemos dizer, contudo, que em locais mais úmidos e de menor insolação, ou em anos mais frios, o Guyot leva vantagens, e em locais mais secos e ensolarados, ou em anos mais quentes, a Pérgola se destaca.

As provas

Dentre os vinhos da safra de 2011 provados às cegas durante o evento, destaco os abaixo. Vale lembrar que cerca de 70% dos vinhos eram amostras de barrica, enquanto outros estavam engarrafados. Em uma prova assim, os vinhos engarrafados e de estilo mais jovem (e em teoria mais simples) levam vantagem, pois estavam mais prontos. Os que ainda estavam em madeira e tem estilo mais austero e para guarda, tendem a estar ainda em mutação, mais fechados e ainda precisando de tempo para alcançar um melhor equilíbrio.

Amarone Acinatico 2011, Accordini Stefano

(Engarrafado). Rubi escuro. Aroma intenso e cheio de especiaria, fruta densa, madeira, estilo entre o clássio e o moderno. Paladar encorpado, quente, gordo, com bom equilibrio e boa densidade.

Nota: 94 pontos

Amarone 2011, Damoli Bruno

(Amostra de tonel). Cor rubi escura. Aroma fresco e frutado, moderno, com notas minerais, de glicerina e passas. Paladar seco e encorpado, concentrado, bons taninos ainda bem presentes. Excelente e cheio de estilo.

Nota: 94 pontos

Amarone Valpantena Villa Arvedi 2011, Bertani

(Engarrafado). Cor granda entre claro e escuro. Aroma elegante e de médio ataque, etéreo, com notas de passas, cerejas, pimenta, balsâmicos.  Paladar com muitos taninos, ainda jovem, seco e sério, com acidez que dá ótimo frescor, deve crescer com tempo em garrafa. Em estilo tradicional.

Nota: 94 pontos

Amarone Vigneti Vallata di Marano 2011,  Giuseppe Campagnola

(Engarrafado). Cor rubi escurA. Aroma fino, integrado, elegante, com madeira, especiarias,  passas, glicerina, fruta madura, mineral terroso, musgo, alcaçuz, álcool aparece no nariz (precisa de tempo para se integrar). Paladar encorpado sem exageros, fruta aparece bem na boca, integrada com madeira, taninos finos, muito bem proporcionado, em estilo moderno e mais fácil de beber.

Nota: 94 pontos

Amarone Vigneti di Ravazzòl 2011, Cà la Bionda

(Amostra de tonel). Cor granada entre claro e escuro. Aroma com notas de verniz, esmalte (Botrytis?),fruta concentrada, cerejas, passas, madeira, pimenta, balsãmicos. Paladar encorpado (sem exageros), denso, taninos vivos, seco, fechado e sério, em estilo moderno.

Nota: 93 pontos

Amarone 2011, Bennati

(Engarrafado). Cor rubi escura. Aroma tostados, fruta ultra madura, concentrado, floral,  madeira aparece bastante. Paladar concentrado, com ótima concentração de frutas, passas, moderno, taninos doces, potente

Nota: 93 pontos

Amarone 2011, La Dama

(Amostra de tonel). Cor escura. Aroma fechado, coeso, em estilo mais classico e serio, fruta limpa e bem definida, muitas especiarias, madeira bem colocada. Paladar estruturado, muitos taninos, bastante madeira. Ótima matéria prima, mas ainda jovem demais, deverá ser um belo Amarone em alguns anos.

Nota: 92 pontos

Amarone 2011, Albino Armani

(Amostra de tonel). Cor rubi quase escuro. Aroma intenso, floral, fresco, frutado,com defumados e tostados, notas terrosas e de pimenta. Paladar bom corpo, com taninos ainda nervosos, longo e fresco, estilo mais moderno e potente

Nota: 92 pontos

Amarone Cuslanus 2011, Albino Armani

(Amostra de tonel). Cor rubi-granada quase escuro. Aroma integrado, madeira, especiarias fruta, floral, elegante. Paladar macio,taninos presentes, madeira aparece na boca, pronto, com boa acidez

Nota: 92 pontos

Amarone 2011, Bottega

(Engarrafado). Cor rubo muito escura. Aroma com muita fruta doce, ameixa seca, couro, baunilha, chocolate, notas de musgo e madeira. Paladar encorpado e macio, em estilo mais moderno, com muitos taninos, bem secantes, quente, tempotencial mas precisa de tempo de garrafa e de um melhor equilíbrio/integração

Nota: 90 pontos

Amarone Rocca Sveva 2011, Cantina di Soave

(Amostra de tonel). Cor rubi escura. Aroma doce, frutado, denso, no qual o álcool aparece. Paladar mostra fruta muito concentrada, acidez moderada mas integrada.

Nota: 90 pontos

Amarone Tenuta Cajo´ 2011, Cà Botta

(Engarrafado). Cor rubi escura.  Aroma frutado e denso, entre moderno e clássico. Paladar bastante macio, já pronto, alcoólico, com algum açúcar residual amarecendo, conjunto coeso.

Nota: 90 pontos

Amarone 2011, Aldegheri

(Amostra de tonel). Cor rubi escuro. Aroma limpos e elegantes, com notas de passas, cereja, ameixa , especiarias picantes, balsâmicos, musgo. Paladar firme, seco e encorpado, com fruta bem madura aparecendo, moderno, taninos novos aparecem, juntos à boa acidez. Jovem mas já bastante expressivo, em estilo tradicional.

Nota: 90 pontos

Amarone Valmezzani 2011, Corte Sant´Alda

(Amostra de tonel). Cor granada entre claro e escuro. Aroma fresco e elegante, muto frutado, fruta madeira integradas, com notas de ervas frescas. Paladar de bom corpo, mas não muito encorpado, com taninos a acidez presentes e integrados. Bom vinho, observo apenas que  não tem muita tipicidade, não parece um Amarone.

Nota:89 pontos

Amarone L´Amarone 2011, La Colina del Ciliegi

(Engarrafado). Cor rubi escura. Aroma intenso, com álcool aparecendo, notas de especiarias e frutas maduras, elegante e classico. Paladar seco, tânico, faltou um pouco de maciez. Um bom Amarone, apenas um pouco austero e rústico.  O tempo em garrafa poderá ajudar.

Nota: 88 pontos

Amarone Le Origini 2011, Bolla

(Amostra de tonel). Cor rubi escura. Aroma intenso e ultra maduro, com notas de geléias. Paladar encorpado e muito macio, com açúcar residual aparente, cheio de taninos, ainda jovens, um pouco curto.

Nota: 88 pontos

Amarone Corte Antica 2011, Benedetti

(Amostra de tonel). Cor rubi quase escura. Aroma doce, fruta passa doce, com notas de geléias, floral de violetas. Paladar encorpado, com presença, mas não tão equilibrado, cai um pouco no meio de boca, açúcar residual aparece um pouco.

Nota: 88 pontos

Marcelo Copello

Marcelo Copello


Marcelo Copello é um dos principais formadores de opinião da indústria do vinho no Brasil, com expressiva carreira internacional. Eleito “O MAIS INFLUENTE JORNALISTA DE VINHOS DO BRASIL” pela revista Meininger´s Wine Business International, e “Personalidade do Vinho” 2011 e 2013 pelo site Enoeventos.

Curador do RIO WINE AND FOOD FESTIVAL, e Publisher do Anuário Vinhos do Brasil, colaborador de diversos veículos de imprensa, colunista da revista Veja Rio online. Professor da FGV, apresentador de rádio e TV, jurado em concursos internacionais de vinho, como o International Wine Challenge (Londres). Copello tem 6 livros publicados, em português, espanhol e inglês, vencedor do prêmio Gourmand World Cookbook Award 2009 em Paris e indicado ao prêmio Jabuti.

Especialista no mercado e nos negócios do vinhos, fazendo palestras no Brasil e no exterior, em eventos como a London Wine Fair (Londres). Copello é hoje um dos palestrantes mais requisitados. Para saber mais sobre as palestras e serviços de Copello clique AQUI

  

Contato: contato@marcelocopello.com