Por Marcelo Copello
Um universo dentro do universo do vinho são os barris de carvalho. A madeira do vinho movimenta milhões de euros no mundo inteiro, tem empresas e profissionais altamente especializados e a mais perfeita escolha e adaptação do barril certo para um vinho pode demorar muitos anos para ser refinada.
Existe vinho sem madeira?
Sim, existem muitos vinhos que não passam nem perto de madeira, mas praticamente todos os grandes tintos do mundo têm algum tipo de contato com madeira, sem falar de brancos, fortificados, vinhos de sobremesa e até espumantes. O uso correto da madeira é tão importante para a qualidade final de um vinho quanto a qualidade das uvas.
Porque carvalho e não outras madeiras?
Recipientes de madeira são usados desde a antiguidade para armazenar e transportar o vinho. Mas que tipo de madeira é a mais usada? A resposta é fácil: o carvalho. Mas por que? Madeiras como cerejeira, castanho e muitas outras foram testadas ao longo dos séculos como recipientes para o vinho, mas o carvalho provou ser o mais resistente, leve, maleável, impermeável e cujo “sabor” tem maior afinidade com o vinho. Os benefícios que o carvalho traz à bebida, contudo, só foram melhor estudados há poucas décadas.
Quais os tipos de carvalho?
Mas que fatores fazem a diferença para o vinho em um barril de carvalho? O primeiríssimo fator é a espécie de carvalho usado. Existem várias centenas de espécies de carvalho, mas as que interessam para o vinho são apenas quatro. A primeira delas, a Quercus suber ou Sobreiro, não é usada para armazenar vinho, mas fornece a cortiça, tirada de sua casca, para a elaboração de rolhas. As outras 3 espécies são usadas na elaboração de barris, que hoje não são mais usados para o transporte do vinho, mas apenas para seu amadurecimento.
O Quercus Alba, ou White oak é o “carvalho americano” é natural do leste dos Estados Unidos e possui baixos índices de fenólicos (substâncias que dão estrutura ao vinho) e alta concentração de compostos aromáticas.
As outras duas espécies são chamadas genericamente de “carvalho francês”. A França tem ¼ de sua área coberta de florestas e estas espécies mais adaptáveis ao vinho são: Quercus Sessiliflora ou Quercus Petraea – comuns na floresta de Vosges, por exemplo, que proporcionam ao vinho mais aromas e menos estrutura; e Quercus Robur ou Quercus Pedunculata – das florestas de Limousin, da Borgonha e do sul da França, emprestam ao vinho mais polifenóis (mais corpo, estrutura) e menos aromas. O carvalho encontrado em países do leste da Europa, como a Eslovênia, é normalmente das variedades “francesas”.
O que influi na qualidade de um barril?
Em um barril há vários outros fatores que influem no vinho além do tipo carvalho usado. O primeiro deles é a granulação da madeira. O carvalho pode ser mais poroso ou menos poroso (de granulação mais fina), absorvendo mais ou menos vinho. Os menos porosos serão mais discretos e finos em sua influência no vinho e são os mais procurados.
Outro fator importante é o crescimento e a idade da árvore. Quanto mais velho o carvalho e quanto lento tenha sido seu crescimento melhor a qualidade dos compostos fenólicos que irão influenciar o vinho. A parte do tronco e o tipo de corte usado na fabricação do barril também são importantes. O carvalho americano pode ser serrado, pois sua estrutura celular é mais densa e mais impermeável. Já o carvalho francês precisa ser partido (sem o uso de serras), mantendo os veios naturais da planta, sob o risco do futuro barril vazar. Deste modo aproveita-se menos o tronco do carvalho francês e sua elaboração é mais cara e laboriosa.
O envelhecimento da madeira é outro fator importantíssimo. Vocês acham que basta derrubar a árvore, serrar e voilà, está pronto o barril? Não! Depois de partida ou serrada, a madeira precisa ser secada por 2 ou 3 anos. É necessário para tirar a umidade do tronco, trazendo esta umidade lentamente ao nível do ambiente, e ao mesmo tempo permitindo modificações químicas na celulose (os componentes que causam acidez e amargor no vinho diminuem e aumentam os componentes aromáticos). É possível secar a madeira artificialmente em fornos, mas as mudanças químicas não ocorrem de forma ideal, deixando o carvalho mais amargo e menos aromático. Normalmente deixa-se a madeira no meio da floresta, exposta a chuvas, ou no pátio da fábrica de barris ou da vinícola (neste caso pode ser necessário periodicamente um spray de água, para que a secagem seja mais lenta). Ao final desta etapa a umidade chegará a 17-18%.
A tosta e montagem do barril são as etapa seguintes, que irão influenciar diretamente o vinho. O barril de carvalho não leva pregos, as ripas são encaixadas. É necessário, então aquecer a madeira para que esta se torne maleável para montagem do barril. Este aquecimento pode ser feito com vapor, água fervente ou fogo, ou ainda o “wet-fire” (mergulhar a madeira em água fervendo e depois usar o fogo). A tosta é feita geralmente com lenha de carvalho e pode ser de diversos nível: tosta alta, média-alta, baixa, etc. Quanto mais alto o nível de tosta, mais aromas de tostados e torrados (caramelo, café etc) o barril irá passar ao vinho. Por outro lado a tosta muito alta diminui outros aromas do carvalho, prevalecendo o aroma de tostado. O mais comum é o uso da tosta média ou média-alta, raramente a baixa ou a alta.
O tamanho do barril
Quanto maior o recipiente menor será o contato da madeira com o vinho e conseqüentemente menor e mais lento será seu efeito no vinho. Grandes tonéis de 10 mil litros influem bem menos no vinho que pequenas barricas bordalesa de 225 litros (o padrão mais usado hoje no mundo). É grande o número de tamanhos, formatos e nomes de recipientes de madeira nas várias regiões vinícolas ao redor do mundo, seguramente perto de 100. Os principais são:
Um efeito menos comentado da influencia do amadurecimento do vinhos em barris de carvalho é a pequena e controlada exposição do líquido ao oxigênio, o que chamamos de micro-oxigenação. Em um vinho pronto, engarrafado, evita-se ao máximo o contato do líquido com o ar, pois este estragaria o vinho. Na etapa de elaboração do vinho esta micro-oxigenação é benéfica, como se estivéssemos vacinando o vinho com micro quantidades de um elemento nocivo. Uma oxidação muito pequena e lenta permitida pelos poros (e pela boca) dos barris é benéfica para a estrutura e estilo de muitos vinhos, tornando-os mais longevos e resistentes. A evaporação ao longo do tempo que o vinho permanece em barris também concentra o vinho, de maneira lenta e gradual.
Quais os benefícios que o carvalho traz ao vinho?
O que mais nos interessa, no entanto, são quais os benefícios que o carvalho traz ao vinho. São muitos:
1-A cor é intensificada pela reação entre taninos e antocianinos;
2-Os taninos são amaciados, o que pode causar a precipitação de borras;
3-O vinho ganha estrutura dada pela micro-oxigenação e pelos taninos da madeira;
4-A evaporação ao longo do tempo concentra o vinho, de maneira lenta e gradual. Fala-se de perda de 3% do volume ao ano, é a chamada “parte dos anjos”.
Quais as substâncias aromáticas do carvalho que passam ao vinho?
Além disso o carvalho passa muitos aromas e sabores ao vinho. Substâncias importantes do carvalho são:
1-Lactonas – em alta concentração no carvalho americano. Dão ao vinho aroma de carvalho novo e de coco (cocada preta queimada, sabão de coco, doce de coco), além de terra, herbáceos, especiarias.
2-Vanilina – aromas de baunilha.
3-Guaiacol – aromas de defumados e especiarias.
4-Eugenol – aroma de cravo.
5-Furfural – aroma de caramelo.
6-Ellagitaninos – os taninos da madeira absorvidos pelo vinho, dão estrutura e cor, são adstringentes.
7-Coumarin – dá amargor e acidez.
Os barris usados
É bom lembrar que faz toda a diferença o fato do barril ser novo ou usado. Os barris novos passam uma gama de aromas e sabores (já vistos) ao vinho, enquanto os com alguns anos de uso são quase inertes, permitindo apenas a micro-oxigenação. As empresas que buscam o toque de carvalho novo em seus vinhos usam apenas barris novos, ou de 1º uso, no máximo 2º, 3º, raramente 4º uso, Depois normalmente os barris são vendidos para outros fins que não vinho. Isso encarece muito o processo, já que um barril francês de um bom tanoeiro pode custar 1 mil euros e um barril americano dificilmente não sai por menos de US$ 500.
Um ponto fundamental para o uso dos barris pela 2ª ou demais vezes é seu o higiene. Os barris usados devem ser perfeitamente limpos, mas não podem ser esterilizados. O Brettanomyces é um perigo, e ataca barris usados, que precisam ser monitorados constantemente. O “Bret” como é apelidado, é um tipo de levedura que pode contaminar barris usados e transmitirá um aromas defeituosos aos vinhos, lembrando mofo e dando um toques animais desagradáveis à bebida.
Outros aspectos da madeira usada é nas paredes de um tonel antigo podem acumular-se os cristais de tartarato. Esta substância pode aparecer nos vinhos engarrafados sobre forma de pequenos cristãos brilhantes insípidos e inodoros. Nos barris usados estes cristais podem formar camada que:
- impermeabiliza a madeira, impede evaporação do vinho
- impede sabor de madeira no vinho (o que pode ser justamente a intenção do enólogo)
- ajuda a precipitar os cristais de tartarato do vinho novo
É possível efetuar uma raspagem nos barris usados, para retirar eventuais cristais, limpá-los e depois desomontá-los, efetuar nova tosta e montar de novo. Este processo é trabalhoso e o efeito jamais será o de um barril novo.
Os chips
Como já mencionamos barris de carvalho são custosos e têm impacto direto do preço final de uma garrafa. A conta é simples: um barril de US$ 600 novo, que comporta 225 litros ou 300 garrafas, encarecerá o vinho, na origem, em US$ 2. Se este valor for multiplicado cerca de 3 vezes por impostos e taxas, só o barril significará US$ 6, ou cerca de R$ 10, no preço de prateleira de uma garrafa. É fácil deduzir, então, que vinhos de menos de R$ 30 ou R$ 40 dificilmente passarão sequer perto de barris novos de carvalho.
A alternativa barata para dar aquele “gostinho” de carvalho ao vinho é o uso dos chamados “chips”. Retalhos de madeira, aduelas, serragem, todas as sobras de carvalho podem ser aproveitadas e colocadas em contato com o vinho em vários momentos. Os chips podem ser usados desde a fermentação até o vinho pronto, em tanques de inox, onde podem ser colocados pedaços da madeira ou mesmo saquinhos de chá gigantes, contendo serragens de carvalho.
Dependendo do país e região este artifício pode ou não ser legal, e geralmente não é admitido pelos produtores. Na Austrália é permitido e muito comum nos vinhos mais baratos, enquanto em Bordeaux e na Borgonha é proibido, por exemplo.
O que nos interessa saber é: quais os efeitos dos chips? Naturalmente simulam o barril de carvalho, passando aromas de madeira ao vinho, mas sem mesma qualidade e sem a micro-oxigenação, que dará complexidade e longevidade aos vinhos. Geralmente isso funciona bem para vinhos muito simples, de consumo imediato, que realmente podem ganhar ao receber este aporte de aroma/sabor. Chips no entanto jamais se prestarão à produção de vinhos de maior qualidade, estrutura, complexidade e, sobretudo, de longa guarda, já que os aromas de carvalho dados por este método tendem a se perder depois de alguns meses do vinho engarrafado.
Um mesmo vinho pode ser elaborado em barrris de tipos diferentes?
Em relação as barricas de carvalho é bom lembrar que cada vinho pode ser elaborado de uma maneira diferente: sem nenhum contato com madeira, amadurecido em barris 100% novos, ou mesmo amadurecidos em um mix de barris novos e usados, de diferentes tipo de carvalho, de diversas idades e tamanhos, por exemplo.
A fermentação em barricas
A fermentação dos vinhos acontece hoje mais comumente em grandes recipientes de aço inoxidável. Fermentar diretamente em barricas de carvalho pode ser, contudo, uma maneira de aumentar a influencia da madeira no vinho e aumentar a tão buscada integração dos aromas e sabores entre o vinho e a madeira.
A fermentação em barricas é muito mais comum em vinhos brancos. Quase todos os grandes Chardonnay do mundo, como os melhores Borgonhas, são fermentados em barricas, o que lhes dá um aporte de taninos, aromas, estrutura e longevidade.
Para os tintos a fermentação em recipientes de madeira é mais rara, já que, enquanto os brancos geralmente fermentam sem a presença das cascas das uvas, os tintos fermentam em forma de uma massa densa, trabalhosa e custosa para ser manejada dentro de recipientes menores.