Por Marcelo Copello (trecho do livro “Vinho & Algo Mais”, Editora Record)
Ilustração de Marcelo Marchese
É sabido que a vinha, a uva e o vinho percebem e se influenciam pelo ambiente a sua volta, transferindo para o sabor final da bebida toda a sua “vivência”. É comum, por exemplo, que vinhas plantadas à beira do mar transmitiram aromas de maresia ao vinho.
A par deste fato, Claude Grenouille, um produtor francês, o pioneiro em implantar a técnica oriental do Feng Shui em seus vinhedos, acaba de lançar uma linha de vinhos que promete revolucionar esta indústria. São produções mínimas a preços quiméricos, alguns talvez nem cheguem ao mercado, indo direto para as garras de colecionadores pródigos ou para leilões disputados.
O primeiro item da série é um rótulo dedicado aos amantes da música romântica. O “Impromtu”, um Pinot Noir cujas garrafas são revestidas de ébano e marfim. No meio do pequeno vinhedo Grand Cru foi colocado um piano Steinway de cauda completa. Mensalmente, um grande pianista é convidado a interpretar as mais belas obras do repertório romântico. O próximo nome será Nelson Freire, com um recital inteiramente dedicado a Liszt. Segundo o proprietário já foi feita uma experiência semelhante utilizando Shubert, mas os vinhos resultantes eram efêmeros e morriam muito jovens, a safra dedicada ao mestre húngaro deve, assim como ele, viver bem mais.
Há também uma linha esportiva. O “Pit Stop” é um Cabernet Sauvignon 100%, cujo vinhedo foi plantado com um espaçamento bem maior entre as vinhas de modo a, na colheita, as uvas possam ser transportadas por um carro de Fórmula 1. Espera-se com os prováveis aromas de óleo, borracha etc, que este vinho trará, agrade aos amantes da velocidade. Além disso, bem ao estilo do Château Mouton Rothschild, que a cada ano convida um pintor para ilustrar seu rótulo, o “Pit Stop” terá, todo ano, suas uvas recolhidas por um piloto diferente, que terá sua foto e autógrafos no rótulo daquele ano. O veterano Alain Proust foi o convidado para a primeira colheita, na safra de 2004. O tetracampeão já está treinando em um vinhedo improvisado no Languedoc e prometeu estabelecer o recorde do vinhedo.
Ainda na linha esportiva, posiciona-se o “Radical”. Este Syrah (ou Shiraz) tem seu vinhedo localizado em um terreno bastante escarpado. As uvas serão colhidas através da técnica de Bunguee Jump. Trata-se de um produto personalizado. Os amantes do vinho poderão visitar o vinhedo e saltar de Bunguee Jump para colher uvas. Os frutos colhidos serão posteriormente transformados em vinhos com rótulos que trarão o nome do corajoso dono (e talvez um pouco de sua adrenalina na composição).
Ainda em projeto está um produto visando especificamente o mercado japonês. O “Hentai” é um Chardonnay cuja linha de produção (do plantio e colheita à vinificação) será inteiramente manuseada por jovens estudantes nipônicas, sempre usando uniforme escolar. A idéia é que estes uniformes usados sejam posteriormente colocados junto com o vinho para amadurecimento em barris, como uma espécie de chip.
Um cult wine também faz parte do extravagante portfolio deste produtor. No “Lumière”, predominam uvas Merlot, com 10% de Cabernet Franc, vindas de dois vinhedos de diferentes idades. Todos os cachos assistem cinema. No vinhedo mais jovens exibem Jerry Lewis, Chaplin, Totó, Jacques Tati e alguns Woody Alen das primeiras safras. As vinhas mais velhas recebem tratamento a base de Fritz Lang, Fellini, Orson Welles, Eisentein, Buñuel, Bergman, Glauber Rocha, Truffaut, Antonioni e Wim Wenders. Segundo Grenouille, esta é sua segunda tentativa com este tipo de vinho. A primeira experiência, com Pasolini e Goddard, na safra de 2001, foi um desastre. As uvas perderam muita acidez e os vinhos resultaram um pouco “chatos”. As vendas também ficaram aquém do esperado, aparentemente os consumidores não entenderam a complexidade da bebida. O projeto foi abandonado e as vinhas utilizadas receberam um tratamento homeopático à base de psicanálise de dia e música “axé” à noite.
Mas grande best seller da série já é o “Catwalk”, o Champagne fashion. Os vinhedos de Pinot Noir e Chardonnay próximos à cidade de Epernay são cobertos com mantas estampadas e acessórios, omo chapéus, desenhados por John Galliano, e a colheita é feita por Top Models usando perfumes fantásticos, que naturalmente são percebidos no espumante (além dos aromas de baton). O sucesso é tanto que já se pensa em lançar uma tiragem limitada de um Champagne Rosé feito de uvas colhidas por Gisele Büdchen, vestida por Jean-Paul Goutier. O nome do borbulhante já foi escolhido e será bem sugestivo: “Rosa Morena”.
Obs: esta é uma obra de ficção em que qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.