Por Marcelo Copello
Complementando a entrevista publicada ontem (Marcelo Copello entrevista Jean-Philippe Delmas, do Château Haut-Brion), uma exclusiva com Jean-Philippe Delmas, director-gerente do Château Haut-Brion, leia em seguida curiosidades sobre este Château e minhas impressões sobre várias safras provadas.
O Château Haut-Brion (CHB) é para muitos especialistas o melhor dentre todos os vinhos de Bordeaux. Para alguns como Robert Parker, trata-se simplesmente do maior vinho do mundo… O Haut-Brion é o veterano e o menor dos Premier Crus Classés de 1855. A menção mais antiga à existência de vinhas na propriedade onde hoje está o Chãteau data de 1423. O castelo propriamente dito só viria a ser construído, no entanto, em 1550, por Jean de Pontac.
De uma antiga linhagem de comerciantes de vinhos, Pontac viveu nada menos que 101 anos. Naquela época os vinhos eram mais conhecidos pelo nome de seus donos, no caso o CHB era chamado simplesmente “vin de Pontac”. Aos poucos o nome do Château tomou o lugar do nome de seu produtor e a noção de “Cru” foi sendo criada. A primeira menção escrita ao vinho do CHB data de 1663, nos diários de Samuel Pepys, membro do parlamento inglês. A família Pontac possuía uma taverna em Londres, chamada “Royal Oak Tavern”, onde ofereciam seus vinhos. Após visitar o local Pepys escreveu: "there I drank a sort of French wine called Ho-Bryan which hath a good and most particular taste which I never before encountered.....“.
Os múltiplos donos do Château ao longo da história
A família Pontac controlou o CHB entre 1550 e 1746, quando outra família de comerciantes de vinhos, Lumel, comprou a propriedade. Em 1801 o CHB mudaria de dono de novo, desta vez passando para um ministro de Napoleão, Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, que usou mais o vinho com fins políticos e logo se desfez da propriedade. Após um período em que pertenceu a um banqueiro (entre 1804 a 1836), o CHB voltou a seus dias de glória pelas mãos da família Larrieu. Joseph-Eugène Larrieu muito fez pelo Château e foi premiado com a classificação como Premier Crus Classés em 1855. Após novo período em posse de um banco (entre 1922-1923), o CHB teve um dono com fama de excêntrico, André Gibert, que tentou doar a propriedade para a comunidade de Bordeaux sem sucesso e acabou vendendo ao banqueiro americano Clarence Dillon em 1935 pela módica quantia de 2,3 milhões de francos.
Dillon era um apaixonado por vinhos de muito bom gosto, já que se Château predileto era o Haut-Brion. A família Dillon ainda é a dona o CHB. Joan Dillon, ex-princesa de Luxemburgo e Duquesa de Mouchy administrou o Château de 1975 até 1 de agosto de 2008, quando seu filho Príncipe Robert de Luxemburgo assumiu a presidência da Domaine Clarence Dillon (empresa que controla algumas propriedades bordalesas, incluindo o CHB).
O Château hoje
O CHB possui 43 hectares de vinhedos, com idade média das vinhas de 36 anos. A densidade de plantio é de 8 mil vinhas por hectare. A área é ocupada 45% por Cabernet Sauvignon, 37% por Merlot e 18% Cabernet Franc. A produção varia de 216.000 a 234.000 garrafas/ano do vinho principal (Château Haut-Brion).
O Château também elabora ao ano cerca de 50 mil garrafa de um segundo vinho, o Le Clarence de Haut-Brion (que até a safra 2006 chamou-se Bahans Haut-Brion). Outro vinho de grande prestígio do Château é o Château Haut-Brion Blanc, tido como o melhor vinho branco de Bordeaux e um dos maiores do mundo. A propriedade ainda produz um 2º rótulo branco, chamado La Clarté de Haut-Brion (que até a safra 2007 chamou-se Les Plantiers du Haut Brion).
O terroir do Haut-Brion
Formado por duas colinas os vinhedos do CHB estão a 12-15 metros acima do leito de dois córregos, o Peugue e o Ars. Os solos são de origem terciária, formados por cascalho, areia e argila. No passado este solo foi parte dos montes Pirineus e hoje uma camada de pedras de quartzo de 1-3 cm foi coberta por pedras maiores, de 6-8 cm e de 10-12 cm. Ao nível da superfície o solo é de cascalho arenoso cinza, com pedaços de quartzo. O subsolo guarda uma maior concentração de argila avermelhada, responsável pela retenção de água e obrigado às raízes a se aprofundarem.
A elaboração do vinho
A elaboração do Château Haut-Brion é cuidadosa, mas muito simples. A colheita é manual. Os cachos são 100% de desengaçados e após um suave esmagamento passam ao processo de maceração-fermentação que dura entre 15 e 30, dias dependendo da safra. Segundo Jean-Philippe Delmas a duração da desta etapa é fundamental, pois não se deseja um vinho demasiado concentrado, e sim, o melhor equilíbrio e espaço para que o magnífico terroir do CHB expresse todo seu potencial .
A fermentação é levada a cabo por com leveduras autoctonas, em tanques de inox de 22.500 litros, a temperatura controlada de cerca de 30oC. Em 1961 o CHB tornou-se 1º Château bordalês com tanques de INOX, onde a fermentação malo-lática também acontece.
A etapa seguinte é o corte ou assemblage. A proporção de Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc varia a cada ano, em função da qualidade da colheita de cada uma destas castas.
O CHB é um dos tintos bordaleses que mais tempo fica em carvalho. O amadurecimento em barricas é longo, entre 18 e 30 meses, sempre em barricas novas. O CHB produz seu próprios barris in loco, com a cooperação da empresa especializada Seguin-Moreau. São feitos 4-5 barris ao dia, para suprir a necessidade anual de 1.000 barris.
As safras degustadas
Château Haut-Brion 1989
Uma nota sobre o 1989: um dos melhores Haut Brion de todos os tempos e talvez o melhor dentre todos os Bordeaux desta famosa safra. Já provei este vinho diversas vezes, sempre maravilhoso. Na prova mais recente, este ano, o vinho estava bastante fechado, entrou em hibernação. Para quem tiver garrafas do Haut-Brion 1989, sugiro aguardar ao menos uns dois anos antes de abrir (este é um vinho para 50 anos de guarda).
Um bom ano, seco, mas com chuvas bem distribuídas. Vermelho rubi escuro com reflexos violáceos. Aroma de bom ataque e elegância, com especiarias doces na frente, como alcaçuz e baunilha, fruta madura com frescor, muito limpa e bem definida, tabaco, mineralidade elegante aparece depois, com grafite e terra molhada. Paladar seco e estruturado, com muito taninos finos e bastante presentes, ótima acidez, boa profundidade, muito longo. Mais potente que o 2001, começando a abrir, para começar a ser apreciado agora ou mantido por mais 15 anos.
Nota: 94 pontos
Uma safra de qualidade média, ano de clima propício ao lento e bom amadurecimento das uvas, resultado vinhos bem equilibrados em estilo clássico. O corte final foi 52% Merlot, 36% Cabernet Sauvignon e 12% Cabernet Franc. Vermelho rubi escuro com reflexos violáceos. Aroma com fruta madura na frente (amora preta, cassis), tabaco, couro, toque mineral de pederneira, tostados da madeira aparecem bastante, alcaçuz. Paladar seco, de bom corpo, taninos finos, presentes, acidez muito boa, longo com madeira aparecendo no fim de boca. Conjunto mais equilibrado que o 2002, muito elegante, só está ainda aquém de seu potencial, um pouco fechado, precisa de mais tempo em garrafa para se mostrar.
Nota: 93 pontos
Um ano excelente, mesmo chuvoso e de colheita precoce, o resultado foi um vinho de boa acidez e grande elegância. Vermelho rubi escuro com reflexos granada, cor na transição. Nariz potente e de extrema elegância, com mineralidade explícita na frente, toque de grafite, terra molhada, além de fruta fresca muito limpa e bem definida, cassis, muitas especiarias doces (alcaçuz, baunilha), chocolate, tabaco. Paladar seco e estruturado por taninos finíssimos, presentes, ótima acidez, grande profundidade e muito longa persistência. Um vinho espetacular, de grande elegância e equilíbrio, já muito expressivo, mas que pode repousar mais 10 anos.
Nota: 97 pontos
Um ano bom, de clima irregular, em que foi necessária uma rigorosa seleção de uvas e apenas 60% da produção foi aproveitada no vinho principal, que teve sua composição final com 50% Merlot e completado por Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. Vermelho granada entre claro e escuro com reflexos alaranjados. Nariz bem aberto e muito complexo, o mais complexo da prova, com muito couro, tabaco, flores secas, frutas secas, toques balsâmicos, carvalho, cedro, muitas especiarias, cravo, canela. Paladar seco e austero, não parece que é metade Merlot, taninos bem presentes, sérios, boa acidez, ainda viva. Um HB com taninos presentes, potente.
Nota: 95 pontos
Um ano excepcional, particularmente quente, com colheita precoce. Um vinho escuro, potente, muito complex, profundo, com uma estrutura tânica que faz lembrar um Pauillac, com muita força, elegância, seco, sério, mineral, para no minimo mais 20 anos
Nota: 99 pontos
Um ano de vinhos estruturados e poderosos. Vermelho granada entre claro e escuro com reflexos alaranjados. Aromas intensos, de grande complexidade, com bastante evolução mas ainda ótimo frescor, muitas notas de mineralidade terrosa, bosque úmido, pelica, frutas secas, defumados, cacau amargo, café. Paladar de bom corpo, taninos finíssimos, um veludo, muito longo. Um vinho de extremo equilíbrio e elegância. Está já no auge e deve se manter ainda por ao menos mais uns 15 anos.
Nota: 98 pontos
Este é um ano excepcional para Bordeaux em geral, mas não tão bom o Haut Brion, que fez um vinho muito bom, mas abaixo dos demais 1er Crus. Provado agora este 1982 está em seu apogeu, ainda com uma década de vida pela frente, não é muito expressivo, mas tem o finesse e complexidade que marcam o CHB, embora sem a estrutura dos demais grandes Bordeaux de 1982
Nota: 96 pontos
Magnums X Garrafas de 750ml
Tive o provilégio de provar o Haut-Brion em duas safras históricas e excepcionais, 1926, 1928 e 1929 em garrafas normais (750ml) e em Magnums (1500ml). Em teoria as magnums deveriam ser superiores, mas na prática foi exatamente o contrário. O motivo? O acaso (garrafas muito antigas são sempre uma loteria) ou talvez porque naquela época a vedação das magnums (com gargalos um pouso maiores) não fosse tão boa.
Château Haut-Brion 1929 (garrafa MAGNUM)
Opaco, quase negro. Consistencia quase cremosa, um caramelo, viscoso e negro, quase um aceto balsamico na cor e consistência. Com notas químicas de iodo, notas animais, amargor no fim de boca. Mostra sinais de idade avançada, sem comprometer a qualidade, equilibrio e prazer. Bastante evoluído mas sem defeitos nem decrepitude.
Nota: 96 pontos
Château Haut-Brion 1929 (garrafa de 750ml)
Cor muito escura. Aroma intenso, complexo e etéreo, com notas de geléias, frutas secas, cana-de-açúcar, madeiras, musgo, ervas. Paladar profundo, denso, gordo, tânico, gritando força, muito vivo, ainda com vida pela frente.
Nota: 100 pontos
Château Haut-Brion 1928 (garrafa de 750ml)
Um dos vinhos mais impressionantes que provei. Muito escuro, opaco, quase negro. Aroma ainda com muita fruta, muito madura, ameixas em compota, café, cacau amargo, madeiras, alcaçuz. Paladar monumental, seco, quase um Porto Vintage, muito denso com taninos volumosos e ainda bem presentes. Espetacular.
Nota: 100+ pontos
Château Haut-Brion 1926 (garrafa MAGNUM)
Já morto, completamente oxidado.
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Obrigado,
Marcelo Copello.