Por Marcelo Copello
O universo da gastronomia vive uma grande excitação. As cozinhas dos mais renomados restaurantes de todo o planeta estarão exalando um perfume inconfundível. A 86ª Feira Nazionale Del Tartufo Bianco d’Alba, o festival do tartufo branco de Alba, começou dia 8 de outubro e segue até 21 de novembro, atraindo muitos gourmets para esta cidade do norte da Itália.
O tartufo, também conhecido como trufa, é um fungo que cresce espontaneamente debaixo da terra. Existem nove variedades, das quais o Tuber Magnatum Pico, o tartufo branco de Alba, é a mais rara e cara (o preço varia muito, mas um quilo custa alguns milhares de euros). Existe apenas no norte da Itália.
Alba é uma pequena e charmosa cidade medieval, no norte da Itália, bem no coração do Piemonte, uma das mais importantes regiões vinícolas do mundo. O festival é uma grande feira de tartufos recém-colhidos e expositores de produtos típicos da enogastronomia local. Os fungos vendidos ali seguem normas restritas de qualidade, listadas na ‘Carta di Qualità del Tartufo Bianco’ e garantidas pela ‘Associazione Nazionale Città del Tartufo’.
O fungo branco cresce em solos calcários e argilo-calcários, úmidos e bem expostos ao sol. O ‘caçador’ de tartufo, conhecido como ‘trifolao’, se utiliza de cães treinados para farejar a iguaria. Porcas também podem ser usadas, uma vez que o aroma do cogumelo é semelhante ao da saliva do porco macho. Contudo, a prática de usá-las hoje é reduzida, porque são pouco governáveis, muito gulosas e gostam de comê-los.
Na cozinha é usado como tempero, ralado ou cortado em finíssimas fatias. Algumas gotas de seu óleo marinado são suficientes para aromatizar uma refeição. A jóia branca caracteriza fortemente os pratos que tempera, mesmo que adicionada em pequeníssima quantidade, fornece um cheiro forte, penetrante e persistente, que lembra o almíscar, com toques de alho, queijo, especiarias e ervas, com sabor picante e agradabilíssimo.
Combinar vinho com pratos tartufados não é tarefa fácil. O escolhido, que pode ser tinto ou branco, deverá apresentar sempre perfume intenso e uma boa persistência aromática, de modo a não desaparecer frente ao fungo. Vinhos muito herbáceos, como o Merlot e Cabernet Franc, estariam excluídos, pois reforçariam de modo penalizante o mesmo caráter nestes cogumelos.
Uma salada de folhas verdes ao tartufo branco, por exemplo, pede um vinho branco seco, jovem e com perfume fragrante, bastante macio e quente. Uma boa escolha seria um Arneis, conhecido na Itália como ‘o Barolo branco’.
A receita predileta dos piemonteses é servir o tartufo sobre ovos fritos na manteiga, o que requer vinhos jovens e perfumados, pouco tânicos e bastante frescos. O mais usado seria um Dolcetto ou um Barbera. Minha escolha, no entanto, seria outra: um champagne millesimé maduro, que proporcionaria grande acidez, aromas com alguma evolução e bastante intensidade.
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Outra receita clássica que podemos analisar é o faisão assado, com lâminas de tartufo colocadas entre pele e carne. Resulta num prato complexo e estruturado. O vinho sugerido deve ser tinto, maduro, seco, dotado de buquê amplo e intenso. A escolha tradicional seria um Barolo, jovem e potente. Considero, no entanto, este vinho tânico demais para a tarefa, tendo um efeito negativo sobre os sabores do prato. O ideal seria, então, um Barbaresco de certa idade, com menos adstringência e mais complexidade aromática.
Uma coisa é certa: uma vez experimentada, a fragrância ímpar do tartufo branco jamais é esquecida. É incontável o número de receitas e ilimitada a imaginação dos chefs. O desafio cabe aos sommeliers, que devem buscar vinhos com personalidade marcante, mas que não rivalizem com a trufa.
Para entender por que esse fungo é tão cultuado é preciso rever sua história, que se perde no tempo e é envolta em um halo de mistério gerador de uma série de lendas. Os babilônios, há 3 mil anos, já o conheciam. Algumas fontes sugerem que os tartufos tenham sido servidos nas mesas dos nobres atenienses, com atributos divinos. Era considerado uma fruta gerada pelo trovão e pela chuva do outono, visto como afrodisíaco e oferecido a Vênus. No primeiro escrito dedicado inteiramente à gastronomia, o ‘De re Coquinaria’, de Apicius, no século I d.C., o romano gourmet e gourmand dedica várias páginas ao nobre fungo. Na Idade Média, a origem subterrânea da iguaria gerou a absurda convicção de que era um alimento diabólico. Na Renascença, acreditava-se que o cogumelo era simplesmente o esperma de cervo que germinava no solo quente e úmido de outono. Brillat Savarin, gastrônomo francês (1755-1826), descreveu-o como ‘o diamante da cozinha’. Outros grandes nomes que se deliciaram com esta jóia foram Napoleão, Luis XIV, Verdi, Churchill, Marilyn Monroe, John Kennedy, João XXIII, Hitchcock e muitos outros.
A iguaria custa caro, mas rende bastante. Seu aroma é tão intenso e marcante que basta um, de poucos gramas, para perfumar vários pratos. E está pronto o banquete.
A programação da 86ª Feira Nazionale Del Tartufo Bianco d’Alba pode ser vista neste link: www.fieradeltartufo.org/2016/it/