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Aguarde, processando!

Sine Qua Non!

Sine Qua Non!

25/08/2018

Marcelo Copello

Mundo do Vinho

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Por Marcelo Copello

É preciso aguardar em uma lista de espera para obter umas poucas garrafas de Sine Qua Non (SQN), uma das vinícolas mais cultuadas da Califórnia. Seus vinhos têm alta demanda no mercado de leilões e podem alcançar US$ 2 mil por uma única garrafa, especialmente depois de receber tantas notas 100 de críticos como Robert Parker.

Fundada em 1994 pelo austríaco Manfred Krankl, a SQN realizou uma rara prova de 18 de seus vinhos, confrontados às cegas, com cinco clássicos franceses. Eu estive presente.

Manfred Krankl se formou em enologia em seu país natal e mudou-se para os EUA em busca de emprego. Em 1989, após ter trabalhado em lojas e até em um hotel, abriu um restaurante e uma padaria. Somente em 1994 criou a SQN e pode, finalmente, usar seus conhecimentos de enologia para fazer vinhos para a carta de seu restaurante, o Campanile.

Seu primeiro vinho, um Syrah chamado Queen of Spades 1994, do qual fez apenas 1.200 garrafas, foi lançado a US$ 31 e hoje é uma raridade avaliada em US$ 2.750. Atualmente a SQN produz cerca de 40 mil garrafas/ano, usando principalmente castas do Rhône, como Syrah, Grenache, Viognier, Marsanne e Roussanne. A Pinot Noir foi utilizada em algumas safras e depois abandonada. Os brancos doces da SQN foram feitos com a consultoria de outro austríaco, o mestre Alois Kracher. Estes nectares, batizados de Mr K (em referência aos dois sobrenomes), foram produzidos só até 2006, ano do falecimento de Kracher.

 

Gênio da enologia e do marketing

Krankl é sem dúvida um dos mais criativos e competentes enólogos do mundo. Porém, além disso, é também bom de marketing. Ele mesmo, com ajuda de sua esposa Elaine, cria nomes, rótulos e garrafas de seus vinhos. Aparentemente, cada um traz em seu packaging uma mensagem em código sobre seu o estilo ou inspiração. Com um pouco de imaginação podemos deduzir que Body & Soul é tão encantador e envolvente quanto esta canção e que The Boot tem a força de um chute, enquanto o Into the Dark, cuja garrafa lembra a de um Porto, de fato traz à memória um Vintage na taça.

A prova

Esta excepcional prova foi dividida em cinco flights, sempre às cegas, contendo um vinho francês de alta qualidade e com cepas semelhantes. O estilo geral dos SQN é de vinhos muito alcoólicos, de acidez baixa, extremamente expressivos, aromáticos e saborosos, de paladar denso e taninos muito doces. Um estilão bem americano, levado aos extremos da qualidade. Qualidade esta plenamente reconhecida pelo maior crítico daquele país. Dos vinhos provados, Parker deu nota 100 a seis deles (Incognito, The Inaugural, La Chapelle, Poker Face, Just for the love of it  e Suey) e nota 99 a três deles (Into the dark, Clos de la Roche e The Straw Man).

Flight 1

Sine Qua Non Body & Soul 2007,

71% Roussanne e 29% Viognier, com 15,5% de álcool. Amarelo dourado claro brilhante. Aroma intenso e muito fino, bastante floral, fresco, mineral, com notas de caramelo, amêndoas e nozes, laranja, melão, gengibre e bastante madeira. Paladar de bom corpo e textuxa mais que untuosa, oleoso, a acidez é boa, mas a maciez é superior no equilíbrio, muito longo. O melhor entre os brancos.

Corpo: BC

Nota 95

Guigal Ermitage blanc Ex-Voto 2001

Marsanne (cerca de 90%) e Roussanne. Cor âmbar. Aroma intenso muito evoluído, com perfil de vinho de sobremesa, lembrando mel, especiarias, flor de laranjeira, amêndoas e muitas especiarias. Paladar concentrado, macio e untuoso. Cheio de classe e personalidade, mas com toques de oxidação no nariz e na boca, já com acidez deficiente e decaindo no meio e fim de boca.

Corpo: BC

Nota 87

Sine Qua Non Tarantella 1999

39% Roussanne, 33% Chardonnay, 28% Viognier, com 14,9% de álcool. Amarelo-dourado carregado. Aroma rico e resinoso, com muita madeira, baunilha, damasco, strudel, flores maceradas, chocolate branco. Paladar concentrado, oleoso, de acidez baixa (com indicações de decadência). A Chardonnay se faz notar e gerou um vinho pouco pesado, mas impressionante e prazeroso.

Corpo: BC

Nota 92

Sine Qua Non The Boot 2000

52% Chardonnay, 24% Roussanne, 24% Viognier, com 14% de álcool.

Amarelo dourado carregado. Aroma intenso de mel, amanteigados, madeira, flores, damasco, notas tropicais de geleia de maracujá, caramelo, fundo mineral muito distinto. Paladar denso e untuoso, de acidez baixa, de uma profundidade excepcional, muito longo, cresceu muito na taça ao longo da prova.

Corpo: BC

Nota 94

Flight 2

Sine Qua Non Into the Dark 2004

84% Grenache, 8% Mourvedre, 7% Syrah, 1% Viognier, 15,9% de álcool.

Rubi quase escuro. Aroma impressinantemente complexo, com uma nota de álcool aparecendo no nariz, quase como se fosse fortificado, notas animais, tabaco, mentol, frutas secas, lavanda, geleia de amora, baunilha, café. No paladar parece um Porto Vintage, muito macio, alcoólico, quase doce, denso, elegante e profundo. Impressiona.

Corpo: ME

Nota: 95

Sine Qua Non Incognito 2000

95% Grenache, 5% Syrah, com 15,7% álcool.

Granada entre claro e escuro. Aroma muito expressivo, quase doce, com notas de açúcar mascavo, muita madeira, musgo, couro novo, frutas vermelhas, muitas especiarias, baunilha. Paladar concentrado, macio, acidez baixa, taninos densos e aveludados, muito expressivo sem ser óbvio, complexo e muito longo, não mostra todo o álcool que tem. O melhor dos Grenache.

Corpo: ME

Nota 98

Châteauneuf-du-Pape 1999, Guigal

70% Grenache, 20% Syrah, 5% Mourvedre, 5% outros, 13,5% de álcool.

Granada entre claro e escuro. Aroma elegante e complexo, com madeira aparecendo bem casada, notas de tabaco, cedro, frutas vermelhas, frutas secas, pimenta, alcaçuz, mineral terroso. Paladar de médio-bom corpo, ótima acidez, equilibradíssimo, longo, em um ótimo momento.

Corpo: BC

Nota 96

Sine Qua Non Ventriloquist 2001

82% Grenache, 18% Syrah, 14,9% de álcool.

Rubi entre claro e escuro. Aroma intenso e elegante, perfumado por muitas especiarias, frutas negras, geleias, couro novo, terra molhada. Paladar quente e denso, mas cai um pouco no meio de boca. É complexo e imponente, mas falta acidez e estrutura. Foi o que menos gostei no flight.

Corpo: BC

Nota: 88

Flight 3

Sine Qua Non Veiled 1998

100% Pinot Noir, 14% de álcool.

Rubi claro. Aroma elegante, exótico, com notas medicinais, muita madeira, notas balsâmicas, muito musgo, terra molhada. Paladar macio e untuoso, longo. Pinot Noir não é o forte dos Sine Qua Non, tanto que ele abandonou esta casta, mas este é excelente, o melhor deles.

Corpo: BC

Nota: 95

Sine Qua Non Covert Fingers 2004

100% Pinot Noir, 14,9% de álcool.

Rubi escuro violáceo. Aroma com muita madeira, tostados, musgo, frutas vermelhas muito maduras, fundo mineral. Paladar encorpado e macio, quase doce, abriu-se bastante na taça, muito elegante, mas não encantou.

Corpo: BC

Nota: 91

Sine Qua Non Omega 2003

100% Pinot Noir, 15,5% de álcool.

Rubi-claro violáceo. Aroma com álcool aparecendo em demasia, com notas de geleias de frutas vermelhas, amoras, café, chocolate, alcaçuz, musgo, muita madeira. Paladar encorpado e macio. Tem presença marcante como todos os Sine Qua Non, mas faltam finesse e equilíbrio. O que menos gostei de toda a prova.

Corpo: BC

Nota: 87

Sine Qua Non Hollerin’m Shea Vineyard 2002

100% Pinot Noir, com 15,4% de álcool.

Granada entre claro e escuro. Aroma mais mineral que os demais Pinots SQN, elegante, com frutas vermelhas e negras bem maduras, casadas com madeira, especiarias doces, defumados, café. Paladar macio, com muitos taninos doces, acidez baixa, excelente vinho, embora um pouco carregado para um Pinot.

Corpo: BC

Nota: 93

Clos de La Roche, Domaine Leroy 1996

100% Pinot Noir, 13% de álcool.

Rubi granada entre claro e escuro. Aroma seco sério, elegante e complexo, muito puro, que foi se abrindo e evoluindo constantemente, mostrando desde florais de violetas até defumados, frutas vermelhas, cerejas, alcaçuz, mineral evidente. Paladar de médio corpo, mas com uma estrutura sólida e perfeitamente proporcionada de ótima acidez e taninos firmes e finíssimos, equilibradíssimo, simplesmente perfeito. Roubou a cena e deixou os Pinots Sine Qua Non a quilômetros de distância.

Corpo: MC

Nota: 100

Flight 4

Sine Qua Non Midnight Oil 2001

95,5% Syrah, 3% Grenache, 1,5% Viognier, 14,9% de álcool.

Rubi escuro violáceo, mas não muito escuro. Aroma intenso e doce, com notas de cana de açúcar, muita madeira, baunilha, fruta muito madura, quase um creme de cassis, muito musgo, notas balsâmicas mentoladas. Paladar intenso, quente e macio, quase doce, acidez baixa, taninos volumosos e doces, profundo, muito longo e expressivo.

Corpo: ME

Nota: 95

Sine Qua Non The Inaugural Eleven Confessions 2003

97% Syrah, 3% Viognier, 15,8% de álcool.

Rubi violáceo escuro, ainda jovial na cor. Perfil um pouco menos madeira e doce que os damais Syrah SQN provados. Aroma com grande concentração de frutas negras ultramaduras, limpas e bem delineadas, madeira como coadjuvante que sai na foto, menta, muitas especiarias, pimenta, cravo, couro, chocolate. Paladar denso, taninos magníficos, volumosos e aveludados, acidez moderada. Muito expressivo, superalcoólico, madeirado e concentrado, ainda assim elegante. É um mergulho profundo. Adorei.

Corpo: ME

Nota: 97

Sine Qua Non Against the Wall 1996

100% Syrah, 14,5% de álcool.

Rubi-granada escuro. Aroma muito complexo, sério, com notas de evolução, couro, caramelo, terra molhada, pimenta, frutas negras maduras em profusão, tudo muito fino e bem integrado.

Paladar muito encorpado, mas menos exagerado que os outros Syrah SQN, volumoso, elegante, finíssimo, adorei. Foi o mais elegante e complexo do flight e me enganou às cegas como sendo o francês, por ser o mais evoluído do flight.

Corpo: ME

Nota 99

Hermitage La Chapelle 1990, Paul Jaboulet Aîné

100% Syrah, 13,9% de álcool, garrafa magnum.

Granada-escuro. Aroma intenso e denso, quase pesado, com notas de fruta ultramadura, goiabada, caramelo queimado, café, tabaco, couro, caldo de carne, defumados, toque lácteo intenso quase um queijo. Paladar com muita extração, muitos taninos ainda presentes

o mais profundo do dia (camadas e camadas de sabor). O mais velho e o mais jovial do flight. Um vinho monumental, ainda está aquem de seu auge, ainda buscando sua melhor expressão.

Corpo:

Nota: 98

Sine Qua Non Poker Face 2004

96% Syrah, 2,5% Mourvedre, 1,5% Viognier, 15,5 de álcool.

Rubi-violáceo escuro. Aroma muito expressivo, com muita madeira, tostados, café, chocolate, baunilha, fruta densa típica dos melhores Syrah, toque lácteo, uma nota que lembra curry. Paladar volumoso sem ser excessivo, macio, com taninos ainda jovens, acidez correta extremamente longo. Uma grande expressão da Syrah no estilo novo mundo, estrutura sólida, redondez e elegância.

Corpo: ME

Nota: 97

Sine Qua Non Just For The Love of It 2002

96% Syrah, 2% Grenache, 2% Viognier, 15,2% de álcool.

Rubi escuro violáceo. Aroma intenso e picante, com muita madeira e especiarias, pimenta do reino branca, baunilha, couro, chocolate, terra molhada, geleia de cassis, alcaçuz, violetas. Paladar volumoso, expressivo, quente e macio, taninos doces e finíssimos, parecido em estilo, mas um grau abaixo, do Poker Face.

Corpo: ME

Nota: 96

Flight 5

Mr. K The Noble Man 2000

100% Viognier botrytizado, 12% de álcool.

Cor âmbar-claro e brilhante. Aroma intenso e concentrado de mel, geleia de laranja, pêssego em calda, notas florais e resinosas. Paladar muito doce, com acidez baixa, textura oleosa, lembra um TBA ou Tokaji.

Corpo: ME

Nota: 94

Mr. K The Straw Man 2000

100% Sémillon, apenas 7,2% de álcool.

Cor âmbar quase marrom. Aroma de strudel, caramelo, amêndoas, damasco, resina.

Paladar viscoso, muito denso, muito doce, acidez moderada (melhor que a do Noble Man). Apesar dos excessos, é equilibrado e extremamente longo.

Corpo: ME

Nota: 96

Château Raymond Lafon 1999, Sauternes

Dourado-claro e brilhante, ainda jovial. Aroma de madeira, baunilha, mel, laranja, abricó. Paladar doce, de médio corpo, bem menos expressivo e concentrado que os Sine Qua Non, foi atropelado.

Corpo: MC

Nota: 87

Mr. K TBA Suey 2000

100% Roussanne, botrytizado, com 12,5% de álcool.

O mais escuro de todos, quase marrom. Aroma denso, com o toque resinoso de cera e verniz da botrytis, damasco seco, mel, caramelo. Paladar muito concentrado, quase tokaji essencia em sua consistência e doçura, muito doce e viscoso, mas surpreendentemente não é enjoativo, absurdamente longo, profundo e espetacular.

Corpo: ME

Nota: 99

Marcelo Copello

Marcelo Copello


Marcelo Copello é um dos principais formadores de opinião da indústria do vinho no Brasil, com expressiva carreira internacional. Eleito “O MAIS INFLUENTE JORNALISTA DE VINHOS DO BRASIL” pela revista Meininger´s Wine Business International, e “Personalidade do Vinho” 2011 e 2013 pelo site Enoeventos.

Curador do RIO WINE AND FOOD FESTIVAL, e Publisher do Anuário Vinhos do Brasil, colaborador de diversos veículos de imprensa, colunista da revista Veja Rio online. Professor da FGV, apresentador de rádio e TV, jurado em concursos internacionais de vinho, como o International Wine Challenge (Londres). Copello tem 6 livros publicados, em português, espanhol e inglês, vencedor do prêmio Gourmand World Cookbook Award 2009 em Paris e indicado ao prêmio Jabuti.

Especialista no mercado e nos negócios do vinhos, fazendo palestras no Brasil e no exterior, em eventos como a London Wine Fair (Londres). Copello é hoje um dos palestrantes mais requisitados. Para saber mais sobre as palestras e serviços de Copello clique AQUI

  

Contato: contato@marcelocopello.com