Provar vinhos que foram feitos por viticultores e vinhas que não vivem mais é saborear o gosto de uma outra época. Realização semelhante a de um arqueólogo ao entrar numa tumba egípcia ou de um historiador ao descobrir um pergaminho. O que existe de verdade em torno da mística da velha e empoeirada garrafa de vinho? Como sempre, uma “assemblage” de lenda e verdade. Na realidade, raros são os vinhos que melhoram com o longo envelhecimento. Para começar, o que é “melhorar” um vinho? Todos os vinhos mudam ao longo de sua vida dentro da garrafa. Melhorar é quando essas mudanças são benéficas às suas características organolépticas. É claro que isso também depende muito do gosto pessoal de quem está bebendo. Ingleses notoriamente preferem os grandes vinhos de Bordeaux no auge – o que pode levar mais de 20 anos, enquanto os franceses cometem infanticídio abrindo-os muito antes. Chamamos a fase da vida do vinho engarrafado de envelhecimento.
Ele sofre uma redução. Os tintos perdem cor e ganham complexidade e sedimentos. Há também perda de tanicidade e acidez. Os ácidos e álcoois interagem com o oxigênio e formam aldeídos e esteres. Os brancos escurecem, tendendo ao dourado. Aromas frescos se transformam em aromas como mel e frutas como a avelã. Se o vinho for “de guarda” tende a se harmonizar e a ganhar complexidade. A harmonia e a complexidade alcançadas são chamadas de buquê. Numa analogia com o homem, todo vinho nasce, amadurece, mantém a maturidade por um tempo, decai até ficar decrépito e morre. O grande auto engano da humanidade é viver como se fôssemos imortais. Como os humanos, todo vinho fenece. É verdade que alguns, os fortifica-dos, são virtualmente imortais. A expectativa de vida do vinho é, contudo, variável. Vai de poucos meses num Beaujolais Nouveau a até quase um século num Porto Vintage. Alguns fortificados da Ilha da Madeira são os “highlanders” do universo do vinho, alcançando com saúde os 200 anos. O que então faz essa diferença e como identificá-la? Os fatores que conservam os vinhos são a acidez, os taninos e os antocianos e a doçura. Vinhos com boas quantidades desses fatores são mais longevos. Porém, mais do que estes fatores, o que mais conta é a harmonia entre este e todos os demais componentes do vinho, cujo somatório e interação chamamos de “estrutura” e “equilíbrio”. Um vinho com grande potencial de envelhecimento quando é muito jovem pode ser quase intragável. Precisa de tempo para que os taninos e a acidez evoluam e se percam de maneira benéfica. Um decrépito é aquele que já perdeu suas características, mas não necessariamente avinagrou. Para a maioria dos vinhos o auge é agora! Noventa porcento deles não melhoram depois de postos à venda. Hoje, eles são cada vez mais produzidos para serem (vendidos e) bebidos jovens, entre um e cinco anos de idade. Para os poucos que melhoram na garrafa, a curva evolutiva varia de vinho para vinho, de safra para safra. Gurus da crítica tentam adivinhar e orientar sobre quando um vinho de uma determinada safra estará pronto no auge ou até quando deve ser tomado. O veredicto final sempre será na abertura da garrafa. Mas cada caso é um caso e podemos listar os vinhos que devem ser consumidos jovens e os que se prestam a alguma guarda. Os brancos, espumantes e rosés em geral são para consumo imediato, assim como os tintos mais leves. Frascatis, Beaujolais, Chiantis, Valpolicellas, Bardolinos, Espumantes nacionais, Champagnes não safrados, os Chardonnays, Sau-vignon Blancs, Cabernets, Malbecs e Merlots sul-americanos mais simples. Vinhos clássicos como os Grands Crus de Bordeaux e Borgonha, Barolo, Bararesco, Brunello di Montalcino, Chianti Riserva, os Supertoscanos, Champagnes com indicação de safra, a maioria dos tintos tradicionais portugueses, espanhóis Reserva e Gran Reserva são todos vinhos que podemos ter em nossas adegas por alguns ou muitos anos. Vinhos superdoces com os Sauternes, além de fortificados como o Jerez, Porto e o “guerreiro imortal” Madeira, ultrapassam as décadas e às vezes os séculos. Alguns sobrevivem a seus próprios donos.
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