Nos tempos das grandes navegações portuguesas suas caravelas rodavam o mundo comercializando todo o tipo de produto, incluindo o vinho. Era comum barricas de Moscatel de Setúbal, um vinho doce natural, viajassem e, mas como nem todas eram vendidas, algumas retornavam à terrinha. Para a surpresa geral, aquele vinho que havia chacoalhado em barricas no calor, sol e maresia, estava melhor do que quando havia embarcado. Estas barricas que retornavam de viagem foram batizadas de “torna-viagem” e tornaram-se lenda.
Quando o Brasil comemorou seu aniversário de 500 anos em 2000 a marinha portuguesa enviou o veleiro Sagres para participar das comemorações em sua antiga colônia. A empresa José Maria da Fonseca enviou a bordo seis barris, cada um com 600 litros de Moscatel da safra de 1984. Quando o veleiro voltou a Portugal após seis meses de viagens pelas Américas, cada barrica tinha apenas 550 litros (o restante evaporou).
Eu tive a sorte de ser uma das únicas pessoas a degustar este néctar. Em 2004, época em que eu apresentava um programa de TV, visitei esta vinícola e fizeram comigo ao mesmo tempo uma honraria e um teste. Serviram-me às cegas duas taças, uma com o Moscatel Torna Viagem e outra com um Moscatel Testemunha (o mesmo vinho de uma barrica que não fez o périplo). A diferença era evidente, o Torna Viagem era mais escuro, mais doce, mais complexo e com aromas de maresia, uma maravilha. Tudo isso foi filmado, vejam:
A empresa ainda não engarrafou o Torna Viagem e não tem pressa em fazê-lo, afinal os moscatéis de Setúbal são vinhos que vivem muitas décadas ou mesmo mais de um século. Se e quando um dia esta raridade chegar ao mercado corra e garanta sua garrafa.
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