Por Marcelo Copello
(foto de abertura crédito: Shutterstock)
Nem sempre vinho é saúde. A vida do profissional da área é bem menos glamorosa do que se imagina. E pode ser altamente insalubre também. Enquanto os discípulos de Baco buscam como a maior das qualidades em um vinho o equilíbrio, em suas vidas esta harmonia por vezes se perde. O hedonismo do vinho pode nos levar a negligenciar a saúde.
Como sobreviver aos numerosos compromissos envolvendo comer e beber? Os jantares até tarde com no dia seguinte degustações logo cedo, à vezes de centenas de vinhos? Viagens longas, agenda intensa, às vezes a comida é muita e pesada, às vezes comida é, por longas horas, nenhuma. Como manter uma vida saudável?
Fiz esta pergunta a sete dos mais renomados profissionais do mundo do vinho, em vários países, e a um médico, é claro, e ao final conto minha experiência pessoal. Os sete consultados foram:
- Stephen Spurrier, um dos mais famosos especialistas ingleses e “pai” do Julgamento do Paris, e Editor Consultor na Revista Decanter (www.decanter.com/author/stevenspurrier).
- Eduardo Chadwick, proprietário de um dos maiores grupos vinícolas do Chile e recém eleito MAN OF THE YEAR pela revista inglesa Decanter.
- Thierry Desseauve, um dos mais reputados críticos franceses, co-autor do guia Bettane & Desseauve.
- João Pires, Master Sommelier português radicado em Macau, Director of Wine na Melco Crown Entertainment
- Danio Braga, chef e sommelier, fundador da Associação Brasileira de Sommeliers.
- Christelle Guibert, Wine Director na The Conversion Fund, Londres-UK.
Para todos os entrevistados acima, o conceito é o mesmo, buscar a moderação. Todos também citaram atividade física, embora poucos tenham mencionado algum tipo de dieta.
Eduardo Chadwick, que roda o mundo promovendo seus vinhos, confessou que sempre leva na mala seu tênis e jamais deixa de nadar ou correr onde quer que esteja. Mas nada de dieta, diz, “na verdade não sigo nenhuma dieta, só trato de beber e comer equilibradamente e tomo vinho todos os dias”.
Foto: Eduardo Chadwick, crédito: divulgação
O grande especialista francês Thierry Desseauve segue pelo mesmo caminho, mas não vai a pé. Ele me disse: “estou respondendo este seu email às 2 da manha chegando de um grande jantar em Tóquio, e minha resposta se resume a uma palavra: bicicleta!”. Desseauve, que não faz dieta, disse que este é seu único meio de transporte em sua cidade, Paris, e que nos fins de semana chega a pedalar 80km.
Foto: Thierry Desseauve, crédito: divulgação
A bike também é a arma inglesa para nosso problema. Stephen Spurrier, que mantém notável elegância aos 76 anos, diz que o que o mantém magro é sua vaidade. Ele não faz dieta nem pratica esportes, mas nos contou alguns truques. “Nunca tomo café da manhã, quase nunca como sobremesa e não como demais nas refeições, não gosto de me sentir cheio demais, assim como não gosto de vinhos concentrados demais”. “Vou a todos os meus compromissos em Londres de bicicleta, além disso moro no 4o andar e jamais uso o elevador”, acrescentou. E conclui “meu lema é: tudo com moderação, mas que no vinho eu não pratico!”
Foto: Stephen Spurrier, Crédito: Renata X. Albuquerque
Sua ex-colega na revista Decanter, a francesa radicada em Londres, Christelle Guibert, tenta compensar as viagens com uma vida mais regrada quando em casa. “Quando viajo é difícil ter uma rotina saudável, com todas as degustações e jantares, e sem tempo livre para ginástica, mas assim que volto para Londres retomo minha rotina de corridas, ir à pé para o trabalho, almoços leves, e sem lanchinhos à tarde!”.
Foto: Christelle Guibert, crédito: divulgação
Um dos precursores do vinho no Brasil, o italiano Danio Braga, também não faz dieta nem pratica esportes, mas lembrou um ponto fundamental para todo profissional: “nas nas degustações é preciso cuspir e não engolir”. Isso é tão básico que nenhum dos demais consultados mencionou, mas que o mestre Dânio fez bem em lembrar. “É preciso ter autocontrole, evitar exageros, saber beber profissionalmente, tomar muita água, comer o justo e escolher a dedo as degustações que você deve frequentar”, enumera. “Sou muito comedido nas quantidades, essa é a minha salvação”, conclui Dânio.
Foto: Danio Braga, crédito: Fracisco Carneiro
Mente e corpo em harmonia é o caminho de João Pires, o único Master Sommelier de língua portuguesa. Em suas práticas Pires inclui natação, ioga (Pranayama) e meditação, não consome carne vermelha, café, açúcar branco, refrigerantes, nem comida embalada/pré-confeccionada, não bebe destilados, evita cerveja e pão branco industrial. “Anualmente faço um mês de detox, com abstenção total de álcool, carne, pão, leite, especiarias e pouco peixe”, complementa. João só baixou a guarda quando confessou: “claro que quando estou no Brasil a cerveja vira rotina”.
Foto: João Pires, crédito: Marina Cupello
E como eu encaro esta questão? Sofro bastante com o ritmo intenso de trabalho, ainda mais por além de atuar como crítico de vinhos/degustador, sou também produtor de grandes eventos.
Uma recente pesquisa na revista Forbes comprovou o que eu já sentia. Na lista das profissões mais estressantes de 2017 vejam quais são as TOP-5:
1-Militar em guerra
2-Bombeiro
3-Piloto
4-Policial
5-Produtor de Eventos
Já fiquei doente várias vezes. Em uma viagem visitando bodegas no Uruguai (já faz muitos anos), em 5 dias (10 refeições), tivemos 10 “assados” (eu só cheguei até o 8o). Na Espanha, provando vinhos desde cedo e sem almoço até o fim da tarde, caí de febre. Diversas também foram as noites sem jantar, chegando tarde em alguma cidade pequena da Itália, com tudo fechado e hotel sem nem frigobar. Na África do Sul a diarréia veio antes e não depois do churrasco de zebra e outras carnes exóticas. Em Portugal não é raro chegar tarde vindo de um grande jantar e encontrar produtores no Hall do hotel com seus vinhos, me aguardando para a prova (o que as vezes pode acontecer também antes do café da manhã). Já peguei vermes, já tive gastroenterite, indigestão, estafa, insolação, a lista é longa... mas, tudo pelo vinho! Mala extraviada não deveria entrar nesta lista, mas já fui e voltei da Itália com a mesma roupa...
O que faço para amenizar este impacto? Procuro ser bem seletivo nas viagens e sempre encurtá-las ao máximo. É comum ir a Europa para 2-3 noites. Meu recorde foi ir do Rio à Lisboa para um almoço e voltar no mesmo dia. Outro truque que aprendi é levar sempre algo para comer na mala, por vezes aquele pacote de cream crackers virou meu jantar.
Exercícios e dieta - em viagem raramente os faço, as agendas tornam isso bem difícil. O oposto é verdadeiro, quando em casa faço exercícios regularmente e alimentação regrada.
O NOSSO FÍGADO
O que mais aflige a nós profissionais do vinho, no que diz respeito aos cuidados com a saúde, é obviamente nosso fígado. Segundo a Sociedade Brasileira de Hepatologia, cerca de 30% dos adultos do planeta sofrem de Esteatose Hepática* (gordura no fígado), e uma de suas causas é o consumo de álcool (leia o estudo aqui). Ao consultar meu médico, o Cardiologista e Clínico Geral Dr Luiz Cláudio Dias da Rocha, sobre como conciliar minha a profissional no vinho com saúde, ele foi categórico e sensato: "tratando-se de um profissional como você, não ouso mandar cortar o vinho, mas sim ser moderado ao máximo na bebida, compensar com dieta e exercícios, e acompanhar a saúde com exames regulares".
*A Esteatose Hepática é assintomática, uma doença silenciosa, e pode evoluir para hepatite, cirrose e até câncer. A recomendação para prevenir ou tratar o problema são a moderação no consumo de álcool, gorduras saturadas e carboidratos refinados. Substitua esses alimentos pelos integrais e por azeite de oliva, peixes, frutas e verduras.
A DIETA DE PARIS
Minha dica final é uma técnica que desenvolvi: usar minha gula como arma para manter o peso. Chamo meu segredo de a Dieta de Paris. Uma das ocasiões na qual perdi mais peso foi quando tinha marcado uma viagem de férias com minha esposa para Paris, onde pretendíamos saborear as delícias da terra de Beaudelaire, com consequências óbvias em meu hemograma completo. Nas semanas que precederam o embarque consegui perder bastante peso, pois à cada caloria perdida eu mentalmente pensava no que estaria degustando em breve, em Paris...
E você, qual seu segredo?
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