Por Marcelo Copello
A Alemanha é o 10o produtor mundial de vinhos, com cerca de 900 milhões de litros anuais. Exporta 360 milhões de litros para dezenas países. Tem mercado interno forte (importa bem mais que exporta), com consumo de 20 litros per capita, contra mais de 100 litros de cerveja.
No Brasil, no início dos anos 1990, após a abertura do mercado pelo governo Collor, a terra de Wagner, Bach e Beethoven chegou a ter 80% de market share das importações (com os famigerados Liebfraumilch de garrafa azul) e hoje é pena ver que este share caiu para ínfimos 0,1%.
Acima de volumes, a Alemanha é uma das maiores referências mundiais em vinhos brancos, em especial da casta Riesling. Foi justamente o surto das zurrapas de garrafa azul dos anos 1980-1990 que gerou um movimento de qualidade na Alemanha, já desde o final dos anos 1980. Dez entre dez especialistas mundiais certamente colocarão os grandes Riesling alemães, secos ou doces, no pódio entre os melhores brancos do mundo.
ENTENDENDO OS RÓTULOS ALEMÃES
Infelizmente o que os vinhos tem de fáceis de beber, tem de difícil de entender, no que diz respeito à classificações e leitura dos rótulos.
A classificação mais conhecida é a de nível de maturação, mas o rotulo ainda traz o nível de doçura, o nome do produtor, da região/localidade, eventualmente o nome do vinhedo. Além disso os vinhedos, em um sistema semelhante à Borgonha, pode ser em nível regional, village, premier cru, ou grand cru; e o produtor pode fazer parte de uma associação, chamada VPD, uma espécie de associação de Grand Crus, com regras rígidas de qualidade. Tudo isso será explicado adiante.
A classificação mais geral seria dividida entre: “vinho de mesa” (pouco encontrados no Brasil) ou “vinho de qualidade”, a maioria dos vinhos alemães. Os primeiros viriam com os dizeres: landwein, tafelwein ou deutscherwein, e os de qualidade seriam os qualitätswein, feitos com uvas de regiões demarcadas e submetidos a uma prova analítica (precisam ter tipicidade de sua casta/região)
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO NÍVEL DE MATURAÇÃO DAS UVAS
O nível de maturação das uvas é fator chave para uma viticultura de clima frio, como ocorre na Alemanha. O teor de açúcar do mosto é medido logo após a colheita e o vinhos classificado com base nesta concentração, em uma medida chamada de graus Oechsle (Oe).
Prädikatswein – “vinho com predicado”, é nome genérico que engloba os vinhos com as denominações a seguir, de Kabinett, Spätlese etc.
Submetidos a controle de qualidade
O álcool não pode ser incrementado antes da fermentação por técnicas como chaptalização, concentração de mosto etc.
Kabinett – em tradução literal Kabinett seria “gabinete”, o equivalente a “reserva”. Vinhos finos de uvas maduras, com 70 a 85 Oechsle (Oe) (conforme região), vão dos secos aos meio-doces.
Spätlese – “colheita tardia”, vinhos mais ricos e concentrados, com 80-95 Oe (conforme região), vão dos secos aos meio-doces.
Auslese – colheita tardia com seleção de cachos, com 80-95 Oe (conforme região), de meio-doces a doces.
BeerenAuslese – colheita tardia com seleção de uvas (bagos), supermaduros ou com ataque de botrytis, com 110-128 Oe (conforme região), sempre doces.
TrockenBeerenAuslese – colheita tardia com seleção de uvas (bagos) atacados por botrytis, que sofrem um processo de pacificação (até quase virar passas), com 150-154 Oe (conforme região), sempre muito doces. Muitas vezes são uvas que seria Eiswein mas que não congelaram.
Eiswein – uvas colhidas congeladas, a -7oC ou menos, depois prensadas ainda congeladas, com 110 Oe no mínimo (geralmente bem mais).
CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO NÍVEL DE DUÇURA
Trocken – “seco”, com até 4gr/l de açúcar residual, ou até 9g/l de açúcar residual desde que a acidez total acompanhe em não menos que 2g/l de diferença. Ex: um vinho com 8gr/l de açúcar residual, precisa ter um mínimo de 6g/l de acidez total.
HalbTrocken – meio-seco ou off-dry, com até 12gr/l de açúcar residual, ou até 18g/l de açúcar residual desde que a acidez total não exceda 10g/l.
Lieblich – amável, suave, com mais açúcar que os HalbTrocken, com máximo de 45g/l
Süss – doce, com mais de 45g/l.
VDP
A Verband deutscher Prädikatsweingüter (VPD) é a Associação Alemã dos Vinhos de Qualidade, uma espécie de sindicato dos Grand Crus. Fundada em 1910, esta é, segundo os mesmos, a mais antiga associação nacional de produtores de qualidade do mundo. É hoje composta por 197 produtores em todas as 13 regiões produtoras alemães.
A VDP segue regras rígidas de qualidade, do vinhedo à garrafa, como por exemplo:
Controle de rendimento (nunca acima de 75 hl/ha
Auditoria
Somente produtores com vinhedos e vinícola própria e com todo o processo de produção até o marketing feito em casa
Utilizam apenas as uvas tradicionais de cada região
Foco em produção com técnicas naturais
Colheita manual para os vinhos Predikat e Erst Lage e Grosse Lage (veja adiante)
A VDP representa é o topo da pirâmide
- 3% do total da produção alemã,
- 7% do faturamento
- 5% do total dos vinhedos do país (5,260 hectares, 55% destes com Riesling)
A VDP usa dois tipos de classificação, a 1a nos moldes de Bordeaux (reconhecendo o Château como de qualidade) e da Borgonha (classificando o vinhedo). Na primeira as regras já citadas são aplicadas (auditoria, rendimentos etc) e a empresa é então classificada como VDP, trazendo na capsula da garrafa o símbolo de uma águia com um cacho de uvas
Na 2a cada vinhedo é classificado como:
VDP Gutswein – equivale a um vinho regional, um Borgonha AOC
VDP Ortswein – equivale a um Borgonha Village
VDP Erste Lage – equivale a um Borgonha Premier Cru
VDP Grosse Lage – equivale a um Borgonha Grad Cru, aqui a sigla GG (Grosses Gewächs – traduzindo literalmente “Grand Cru”) pode ser usada.
AS CASTAS ALEMÃES
A castas alemães mais plantadas são
BRANCAS
Riesling – 23,5 mil hectares ou 23% dos vinhedos
Müller-Thurgau – 12,4%
Grauburgunder (Pinot Gris) – 5,8%
Silvaner – 4,9%
Weißburgunder ou Weissburgunder (Pinot Blac) – 4,8%
TINTAS
Spätburgunder (Pinot Noir) 11,8 mil hectares ou 11,5% dos vinhedos
Dornfelder – 7,7%
Portugieser – 3,2%
A Alemanha é o país da Riesling. Lá, esta que é talvez maior das castas brancas, chega a seu apogeu em qualidade e em quantidade – a Alemanha detém 50% dos vinhedos de Riesling do planeta. Não vou falar de Rielsing aqui, sobre ela leia em: www.marcelocopello.com/post/riesling-a-maior-uva-branca-do-mundo
A novidade germânica que mais tem chamado à atenção do mundo no entanto é uma tinta, a Spätburgunder, ou Pinot Noir (PN). Com uma mãozinha do dito aquecimento global e trabalho duro dos produtores os tintos alemães tem encantado especialistas por onde passam.
Muitas pessoas nem sabem que a Alemanha produz tintos, mas o país de Nietzsche, Goethe e Marx detém o 3o lugar em vinhedos de PN, depois de França e EUA. Esta foi a variedade que mais cresceu na Alemanha na década passada. Em 1990 haviam 5 mil hectares e chegaram 11 mil hectares no ano 2000. Metade destes vinhedos estão na região de Baden, especializada em PN.
Uma curiosidade que provei nesta viagem foi a Frühburgunder ou Pinot Madeleine, uma mutação da PN. Aqui na Alemanha esta cepa está sendo recuperada por alguns poucos produtores (existem hoje 254 hectares). Ela é ainda mais difícil de cultivar que a PN, amadurece cerca de 2 semanas antes e á mais suscetível a pragas. Provei Frühburgunder de duas vinícolas, a WASEM e a BETTENHEIMER. Em ambos vi uma cor muito clara, taninos um pouco mais rústicos que a PN, frutas vermelhas madura (morango, framboesas), textura macia, notas defumadas e de terra, corpo leve.
Esta matéria terá uma segunda parte, onde relato minha visita a sete produtores em várias regiões alemães, com dezenas de vinhos avaliados.
Aguarde!